Editorial do Jornal do Commercio desta quarta Com o corpo de Manoel Mattos foi sepultado no cemitério de Itambé, Mata Norte do Estado, muito do que restava de crença na segurança em Pernambuco e na Paraíba, palcos de uma incrível crônica de criminalidade e impunidade.

Na nossa história criminal, nenhuma morte foi mais anunciada.

Nenhum crime foi mais previsto ou teve tantos nomes de suspeitos antecipados, documentados, relatados ao poder público, a entidades de defesa dos direitos humanos e até órgãos internacionais.

Os bandidos que assassinaram o advogado zombaram das leis, riram das autoridades que recebem do povo o mandato para defendê-la.

Mais: proclamaram com a violência das armas que a segurança em Pernambuco e na Paraíba não evoluiu.

E não há exagero nisso, pois a morte de Manoel Mattos estava anunciada desde o momento em que, como vereador de Itambé, foi à tribuna em 7 de agosto de 2001 para denunciar o surgimento de justiceiros, organizados num sindicato do crime.

Ali o nome do advogado e defensor dos direitos humanos foi inscrito no rol dos condenados à morte, assim como o nome da promotora Rosemary Souto Maior de Almeida, que em 1998 ousou realizar um trabalho de desarquivamento de inquéritos policiais em que não constavam a autoria de crimes com características semelhantes, sempre tendo como vítimas homossexuais, viciados em drogas ou autores de pequenos furtos.

Ao mexer nos casos, a promotora descobriu um vespeiro, grupos de extermínio em Itambé, com a participação de agentes públicos.

Em outubro de 1999, ela mandou para o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana um relato em três volumes com mais de 200 páginas e passou imediatamente a ser ameaçada.

O terror se abateu sobre a promotora mais ainda depois que em maio de 2001 ela deu entrevista ao jornal Correio da Paraíba, em que falava do possível envolvimento de policiais, civis e militares, de Pernambuco e da Paraíba.

Foi naquele ano em que teve início o fim de Manoel Mattos.

O clamor dele contra o crime organizado chegou ao senador Eduardo Suplicy, que fez contatos com o Ministério da Justiça, governo de Pernambuco, presidentes das comissões de Direitos Humanos das assembleias dos dois Estados, pedindo que fossem apuradas as denúncias de Manoel Mattos e tomadas as providências para garantir sua segurança.

Na época os deputados José Dirceu e Fernando Ferro cobraram alguma iniciativa do governo do Estado para instalar segurança em Itambé, Timbaúba, Goiana e Pedra de Fogo, área onde se denunciava a existência de grupos de extermínio.

Um delegado especial foi designado e quando o trabalho dele se aprofundava e dava resultados com a decretação de prisões preventivas de criminosos, o delegado foi removido e ficaram a promotora e o vereador e advogado entregues à sorte. É importante lembrar que quando as ameaças se tornaram mais ostensivas o então deputado Eduardo Campos foi a Itambé, ao lado dos colegas Fernando Ferro e Nilmário Miranda, para prestar apoio e solidariedade a Manoel Mattos.

Pouco valeu.

Pistoleiros atacaram o vereador quando ele ocupava a tribuna da Câmara Municipal em 8 de outubro de 2001.

Em novembro do mesmo ano, quando voltava do Recife para Itambé, o carro dele foi seguido, abordado, bandidos lhe apontaram armas mas o motorista conseguiu fazer uma manobra ousada e salvar-lhe a vida.

No mês seguinte as luzes da cidade foram apagadas quando o vereador se encontrava na praça central.

Ele fugiu para não ser abatido, porque dois dos indivíduos que denunciava como membros do grupo de extermínio podiam ser identificados na semiescuridão.

A história de ameaça se estendeu até a data fatal e se impôs a todas as instituições nacionais e internacionais.

Uma delas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA que pediu às autoridades brasileiras “medidas cautelares para proteger a vida e a integridade física de pessoas envolvidas na denúncia de grupos de extermínio nos Estados da Paraíba e Pernambuco”.