Editorial do Jornal do Commercio desta terça-feira Na condição de criatura, o novo prefeito do Recife não fala mal do criador.

Nem poderia.

Entre todos os postulantes, era o mais inexpressivo em votos e vitrine política.

Mas o criador fincou o pé e o arrancou de quase zero nas pesquisas de opinião pública para vencedor no primeiro turno.

Claro, teve guarda-chuvas, andor, máquinas de apoio e o suficiente para fazer de um joão-ninguém o sucessor de outro João consagrado pelas urnas e com o que se costuma dizer na crônica política: cacife, muito cacife para caminhadas mais ousadas.

A favor dele, a certeza de que a todo momento sua administração terá a aprovação incondicional do sucessor.

Mas, como o JC mostrou domingo 18, está claro que João da Costa tem uma enorme lista de problemas a enfrentar, herdada da gestão de João Paulo.Entre os problemas estão iluminação deficiente, lixo, palafitas, camelôs, déficit habitacional crescente, poluição visual, desordenamento urbano, e por aí vai.

Para agravar esse cenário, o Recife é, também, personagem da crise financeira mundial que já se materializa com a anunciada economia dos gastos de custeio.

Como deverá João da Costa passar pelo furacão global e administrar a herança do outro João?

Na verdade, o João II tem tudo para dar certo.

Ele chega sem os traumas da passagem de poder, quando o primeiro discurso é o de “arrumação da casa” e relatório dos estragos.

O prefeito chegou com a casa arrumada, inclusive com a ajuda dele, conhecendo os operários, os corredores por onde buscar ajuda, os personagens de outras instâncias a quem recorrer para continuar a obra.

E tudo sem aquela agonia de preencher quadros, submetendo-se ao período de adaptação, de reconhecimento da máquina para fazê-la funcionar.

Nesse quesito, está tudo bem para o Recife e sua administração.

Resta saber no outro, a herança da gestão, do que foi feito e do que deixou de ser feito.

Também aí o prefeito João da Costa não tem do que reclamar.

De ruim, ele herda o que todos os prefeitos do Recife herdaram, num processo crescente de agravamento, com um crescimento urbano acelerado.

Isso não o isenta da responsabilidade de ter respostas, mas atenua sua impotência para tê-las com a rapidez que todos esperam.

Como esperaram de governantes passados e viram os problemas passarem como legados.

Alguns, contudo, bem que poderiam ter sido resolvidos se vistos como prioridades, substituídos por outras menos nobres, algumas até interessantes mas supérfluas e menos urgentes, outras agressivamente contrárias aos interesses permanentes da cidade.

Um exemplo?

O gasto com megashows que, se trazem satisfação para alguns durante algumas horas, poderia ser trocado pela melhoria do atendimento de postos de saúde, ou pavimentação de uma rua de subúrbio, a instalação de equipamentos sociais em uma praça, etc.

João da Costa deve estar cansado de saber disso, como obrigação de todo homem público.

Se a população sabe e sente, o dirigente público mais ainda, porque é remunerado pela sociedade para isso.

Noutros casos, graves heranças, é preciso cobrar, sem perder de vista que se trata de problemas crônicos, tão pesados que, se resolvidos, credenciariam o prefeito a voos altíssimos.

São os casos do saneamento, do abastecimento d"água, do transporte, do atendimento à saúde, da falta de habitação, todos com ligações aos governos do Estado e da União, com o que pode festejar o prefeito, posto que aliados do primeiro ao quinto.

O que não sabemos é até que ponto essas alianças contribuirão para corrigir problemas crônicos que o outro João – também aliado até do que supostamente seria o adversário difícil, o governo do Estado – não foi capaz de resolver.

Entretanto, precisa ser entendido que mesmo sendo crônicos os problemas e tão difíceis os caminhos para resolvê-los deve-se encarar a atual administração como suficientemente dotada dos mecanismos para colocá-los na agenda de solucionáveis, desde que haja o empenho e a dedicação de quem vê a cidade como a extensão da casa de cada um, com as carências e a urgência de solução que assegure o mínimo de qualidade de vida.