Deu no Jornal do Commercio de hoje Depois de um ano de funcionamento do posto da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Complexo do Alemão, os missionários concluíram que a violência da guerra do tráfico provoca distúrbios psicológicos em quase todos os 97 mil moradores, que, segundo o IBGE, habitam o conjunto de 12 favelas na Zona Norte do Rio. “O conflito é mais intenso e menos frequente do que imaginávamos, mas o que nos impressionou durante o dia-a-dia foi a quantidade de vítimas indiretas”, disse a chefe da missão Elodie Andrault, 35 anos.

Elodie explicou que o MSF decidiu instalar a missão porque os índices mostravam uma violência muito grande - entre maio e agosto de 2007, 44 pessoas morreram (19 delas num único dia) e 81 ficaram feridas - e a ausência completa de serviços públicos de saúde e educação. “Todos os homens de 25 a 50 anos são suspeitos de alguma coisa e precisam de ajuda psicológica”, avalia a francesa, que é advogada e mãe de dois filhos. “A depressão é o maior problema para os adultos, a maioria não sai de dentro do complexo.

Mas lidamos também com crianças que muito pequenas passaram por distúrbios pós-traumáticos provocados por alguma situação de violência armada”, conta Elodie, que, por sigilo profissional, não quis detalhar os casos.

Para dar conta da demanda, os Médicos Sem Fronteira trabalham no esquema de terapia rápida.

São dez sessões por paciente, de uma a duas vezes por semana.

Cada um dos dois psicólogos atendem a 30 pacientes simultaneamente. “Ampliar o atendimento psicológico será uma das nossas prioridades na próxima unidade”, diz Elodie.

Até março, o MSF abre um novo posto na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, vizinho ao Alemão.

Desde novembro de 2007, quando entrou em funcionamento, a unidade da ONG no Complexo do Alemão já realizou 15.520 atendimentos médicos - que vão desde emergências por ferimentos a bala ou infartos até crises de bronquite em crianças - e 2 mil psicológicos.

Apesar de ter quase 100 mil moradores, não existe nenhum posto de saúde dentro do conjunto.

O Programa de Saúde da Família também não entra nas comunidades, que serão beneficiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Na unidade do MSF, o critério de atendimento obedece ao grau de urgência do paciente.

Eles passam por uma triagem onde recebem um cartão com as cores verde, amarelo ou vermelho - para os casos de vida ou morte.

O trabalho dos MSF em casos graves é feito apenas nas primeiras horas, para salvar a vida do paciente.

Depois de estabilizado, ele é transferido para uma unidade de referência. “Há casos em que o paciente não quer ir para o hospital público e sabemos que é porque ele sabe que lá vai ter polícia.

Não transferimos para outro local, deixamos claro que depois daquele primeiro momento ele seguirá por sua conta e risco”, explicou Elodie.