Por Gustavo Krause Ah, que falta faz Joaquim Maria Machado de Assis!

De olhar penetrante, estilo inconfundível e ironia insuperável, o acérrimo crítico dos costumes de sua época, certamente, atualizaria o conto clássico “A teoria do medalhão” com o título “A teoria do megaladrão”.

Naquele conto, um orgulhoso pai festejava os 21 anos do “peralta Janjão”, dando-lhe de presente valiosos conselhos, na verdade, uma robusta teoria, eis que articulava causa e efeito, com o objetivo de tornar seu pimpolho um “medalhão”, ou seja, um distinto e reconhecido cidadão para os padrões sociais da época.

A rigor, o medalhão era (e é) nada mais, nada menos do que um rematado idiota, a encarnação da mediocridade, mediocridade pomposa, solene que faria (como faz, ainda hoje) sucesso.

Trata-se de um estelionato humano que, em certa medida, era inofensivo.

Para chegar a esta conclusão, basta atentar para a síntese das lições paternas sobre o ofício social do medalhão.

A primeira e primordial lição: nada de idéias próprias, meu Janjão; a segunda, peralta, repetir frases feitas, lugares-comuns, tipo “antes de reformar as leis, é preciso reformar os costumes”; a terceira, filho amado, administrar o próprio cabotinismo, um marqueteiro, avant la lettre, de si próprio, antecipando em um século o que viria a ser a exposição pública da celebridade; a quarta, pimpolho, se entrar na política, filie-se a um partido mas não se deixe levar pela idéias de nenhum: abstrações, generalidades, metafísica, é a receita para impressionar sem ser pressionado.

Por milagre, um Machado ressurrecto, posto diante do mundo globalizado, enlouquecido pela ganância, e de um Brasil capturado pela delinqüência, repito, escreveria “A teoria do megaladrão”.

O ladrão é gente que vem de longe, é personagem bíblico: tem o bom e o mau; a arte de furtar é título de um livro clássico (século XVII), de autor desconhecido, que atribui o furto às várias “unhas”; em Vieira, “O sermão do bom ladrão” (1655) é de uma atualidade política impressionante.

Nos dias de hoje, mudam a escala e a escola.

Como hoje tudo é grande, é mega, então, o personagem vira um megaladrão.

Nada de surrupiar a varejo, meu Janjão, roubar só por atacado.

Como assim?

Em grande escala, filho, a unidade de medida é o milhão de dólares.

E em que escola, meu “paipai”, eu aprendo o ofício de megaladrão?

Na teoria, a bibliografia é simples: basta ler os jornais, navegar na Internet e se ligar no que acontece no mundo.

Na prática, é ingressar em dois mundinhos que se entrelaçam: o das finanças e o do poder político.

Qualquer negócio vale a pena, desde que haja possibilidade efetiva de criar junto aos governos e autoridades, em geral, a indispensável promiscuidade que funde, confunde e afunda na mesma lama interesses públicos e privados.

Licitações, fundos de pensão, PPPs, fusões de grandes empresas, informações privilegiadas etc…,etc… são palavras mágicas, o “abre-te, sésamo” das portas do Tesouro.

Mas, pai, é perigoso.

Tem Polícia Federal, grampo em todo canto, Receita Federal, Ministério Público, Tribunais de Contas, imprensa investigativa, ONGs sérias observando tudo, sem falar na opinião pública cada dia mais vigilante.

Janjão, para vencer, você tem que ser profissional, cínico e ousado.

A ousadia é um atributo indispensável.

Veja o Bernard Mardoff, o respeitável autor da “pirâmide financeira”, carinhosamente chamado na intimidade de Bernie, deu um “cano” de 50 bilhões de dólares.

Até Spielberg, caiu no conto juntamente com outros que tinham olho grande no rendimento apetitoso e “seguro” de 10 a 12% ao ano.

Aposta alta, inclusive na leniência das instituições fiscalizadoras.

Em matéria de ousadia, o páreo é duro entre a terra de Zé Carioca e de Tio Sam.

Por sua vez, meu esperto peralta, o cinismo se exerce em dois momentos: preventivamente, fazendo a opinião pública acreditar que tudo é “farinha do mesmo saco”; defensivamente, se for pego com a boca na botija, negar, dizer que é armação política e utilizar o eficiente profissionalismo dos ladravazes nacionais.

Megaladrão profissional que se preza – aprenda, meu filho – cultiva pomares de frutas cítricas com preferência para os vários tipos de laranja (pêra, lima, bahia, da terra); vai ao paraíso que não aquele prometido pelo Salvador a Dimas, mas o paraíso fiscal, a guarda segura dos óbolos miliardários; recruta advogados, tão amigos da ciência jurídica quando íntimos dos homens do poder; aposta, finalmente, na impunidade.

Antes que eu esqueça, Janjão, jamais perca a bossa, nem a pose.

Impressione, acredite nas próprias mentiras.

Bote banca; estufe o peito; empine o nariz.

Os medalhões vão aplaudir.

Afinal, Janjão, você tem o glamour e “tá pagaaaano”.