Por Paulo Mente Em meio aos temores internacionais sobre uma crise cujos efeitos ainda não podem ser plenamente medidos, a Argentina, por iniciativa do Executivo comandado pela Presidente Cristina Kirchner, encaminha ao Congresso Nacional um projeto que golpeia a previdência privada inesperada e mortalmente.
A Argentina, premida por aposentadorias precoces e por um envelhecimento mais acelerado que o do resto do continente, sempre esteve às voltas com os pagamentos de pensões.
Na década de 70, o sistema mutualista, disseminado por instituições que funcionavam quase como braços corporativistas sindicais, ruíram em face de seguidas crises econômicas, deixando seus beneficiários à míngua.
Não foram poucas as vezes que eventos especializados discutiram a reforma desse sistema, sempre tendo como foco as experiências da previdência privada de seus dois vizinhos, o Chile e o Brasil.
O Chile com a privatização e o Brasil com o sistema misto normatizado a partir de 1977.
Mas foi só há doze anos que, efetivamente, a Argentina tomou uma atitude mais visível, privatizando as mãos das AFJP - Administradoras de Fundos de Jubilações Privadas os aportes capazes de garantir as futuras rendas de aposentados e de pensionistas.
As reservas acumuladas em doze anos, da ordem de U$ 30 bilhões, não foram tão expressivas a ponto de permitir uma comparação com os regimes privados dos seus vizinhos, mas o fluxo anual de novos aportes, da ordem de U$ 5 bilhões, mostravam um futuro de acumulação interessante.
A atitude inesperada do Governo em reestatizar essa poupança e seu fluxo anual, justificada pela Presidente Kirchner como ato necessário à proteção dos direitos dos participantes, pelas primeiras reações deverá encontrar barreiras significativas no ambiente político.
Dificilmente a justificativa apresentada encontrará eco repentino na confiança dos beneficiários.
A Bolsa argentina despencou com o projeto e levou consigo até a Bolsa espanhola, onde atuam empresas beneficiárias dos recursos investidos pelas AFJP.
O principal temor é de que o Governo modifique substancialmente a forma de aplicação desses recursos, desviando-os de sua principal finalidade de longo prazo, utilizando-os para outros fins.
A própria Administração Nacional da Seguridade Social argentina foi tomada de surpresa, sem noção das adaptações infra-estruturais que terá de promover para assumir, novamente, a administração dos recursos.
O projeto ainda prevê que o sistema privado terá espaços preservados para a geração de pensões complementares, mas partindo do zero novamente.
Uma rendição ao modelo brasileiro que, ao que parece, depois do debacle da privatização chilena, e agora da privatização argentina, mostra uma força diferenciada.
Mas que o exemplo argentino nos sirva, também.
Afinal, a crise financeira mundial certamente tem efeitos sobre os investimentos dos fundos de pensões brasileiros, com certeza.
Sua dimensão ainda precisa ser apreciada.
Paulo Mente é economista, ex-Presidente da ABRAPP - Associação Brasileira dos Fundos de Pensão Fechados - e Diretor da ASSISTANTS - Consultoria Atuarial