Caro Jamildo, Venho através deste email relatar o que anda acontecendo diariamente na saúde do nosso estado, através do seu blog pois vejo que é uma das poucas, pra não dizer única forma que o cidadão tem para expressar seu desespero.

Há pouco tempo a classe médica provocou um movimento de demissão em massa na tentativa de provocar o governo a sair do seu ostracismo e tomasse medidas mais urgentes e eficazes em relação a saúde pública.

Os mais interessados sabem que o desfecho foi um acordo entre as entidades médicas e o governo, com várias rubricas no documento com exceção do senhor secretário de saúde.

Este acordo, em resumo, previa, além do reajuste salarial a perder de vista, várias medidas emergenciais e outras a médio prazo, além de que uma “junta” de representantes das partes iria se instalar para avaliar e executar medidas para melhorar a saúde.

Pois bem, o caos ainda está instalado.

Mas isto não provoca mais indignação do que eu já tinha antes.

O que provoca é a veiculação de campanhas publicitárias mostrando a saúde da Bélgica, como se fosse a daqui!

Cito o exemplo do Hospital da Restauração.

Lá chegam os pacientes mais graves de trauma de Pernambuco, por se tratar de um hospital de alta complexidade.

Como a UTI está sempre lotada, ficam pacientes necessitando de ventilação artificial por máquinas, jogados pelos cantos do Hospital.

São pacientes que estão vivos pela sorte ou por milagre divino e não pela medicina e que durarão pouco deste jeito, evoluindo rapidamente para morte.

Mas se por um acaso estes pacientes tiverem morte encefálica, ou seja, seu cérebro morrer mais o coração ainda estiver batendo, estes serão doadores de órgãos.

Sendo doadores de órgãos, aí sim ganharão um cobertor aquecido, melhores aparelhos e uma enfermeira de nível superior exclusiva para cuidar dele.

Não seria um contra-senso?

Só depois que está morto é que o indivíduo merece assistência digna que qualquer doente grave necessitaria.

Não estou aqui sendo contra a doação de órgãos, mas sendo contra a falta de assistência que os ainda vivos não têm!

Se criaram uma assistência para o morto de coração batendo porque não para o vivo?

Sem falar na traumatologia e neurocirurgia.

No HR a traumatologia vive fechada pela superlotação.

Plantões com apenas 1 médico traumatologista que não pode ao mesmo tempo atender e fazer cirurgia acumulando pacientes aos montes.

Na neurocirurgia temos pacientes que poderiam ter um prognóstico menor se houvesse uma demanda menor pois seriam melhor tratados.

O problema não é contratar ou admitir 20 neurocirugiões, e sim aumentar o numero de leitos, medicamentos, monitores de pressão intra-craniana, médicos intensivistas, sala de recuperação, etc, etc, pois é uma cascata de recursos que se mobiliza quando se abre uma vaga a mais de verdade e não de forma caótica e amadora que vivenciamos no HR.

Isto faz com que as cirurgias eletivas da cirurgia geral (hérnias, vesículas entre outras) sejam colocadas em segundo plano, trazendo prejuízo para a população em geral.

Já existe uma fila de pacientes em todos os hospitais públicos e se houver menos um serviço funcionando, haverá mais demanda reprimida, e suas conseqüências, pois a cirurgia eletiva não realizada hoje é a cirurgia de urgência de amanhã!

Outrossim, o HEMOPE sofre com a escassez de medicamentos.

Os pacientes de doenças malignas do sangue sofrem sem condições de tratamento adequado.

Enquanto isso, nos hospitais filantrópicos não falta nada, pois há uma predileção por estes hospitais que o governo acha mais produtivos.

Entretanto quando o paciente não dá lucro é transferido para o pobre SUS para sofrer sem medicamentos.

Uma vez não atendendo a população, principalmente os casos de menor complexidade devido a superlotação, os pacientes chegam a nos agredir verbalmente as vezes até com empurrões, pois acham que não atendemos por má vontade.

O governo joga a toalha e se diz incapaz de gerir a saúde do estado passando para as parcerias público-privadas e a iniciativa privada propriamente dita sua responsabilidade, contrariando seu discurso de campanha e juramento constitucional.

Não sou contra uma nova forma de gestão da saúde pública, porém não confio em algo que não é pactuado pelos membros do conselho estadual de saúde, poois se trata de uma atitude anti-democrática.

Da forma que o governo age, nem tampouco acredito no controle e fiscalização que o estado irá exercer sobre estas instituições que usarão o lucro ou o não prejuízo como objetivos principais, deixando em segundo plano os princípios e diretrizes do SUS.

Flavio Martins- médico