Deu na Veja desta semana Em apenas seis dias, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, migrou de um discurso virulento contra a farra realizada pelo PMDB na Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para um silêncio sepulcral a respeito do tema.

Em uma reunião do Conselho Nacional de Saúde, Temporão afirmou sem meias palavras que a gestão da Funasa era “de baixa qualidade e corrupta”.

Foi uma resposta às críticas que recebeu por ter enviado ao Congresso um projeto para retirar da fundação uma de suas principais atribuições: a assistência à saúde de 400 000 indígenas.

Por esse motivo, Temporão passou a ser alvejado pelos caciques do PMDB, partido ao qual é filiado e responsável pela tal gestão “de baixa qualidade e corrupta” da Funasa.

Chegaram mesmo a pedir sua cabeça.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cedeu a essa pressão.

Cedeu a outra.

Orientou Temporão a fumar o cachimbo da paz com os chefes do PMDB na última terça-feira.

Simultaneamente, injetou 1,6 bilhão de reais no Ministério da Saúde.

Enfim, deu ao PMDB e ao seu ministro o que todos, afinal, queriam de verdade: mais dinheiro.

Para quem acompanhou o qüiproquó a uma certa distância, pode até parecer que todos estavam muito preocupados com a manutenção da saúde dos índios e apenas discordavam quanto à melhor maneira de continuar a fazê-lo.

Ingenuidade.

Se o episódio da Funasa guarda uma lição é a de mostrar por que os políticos se digladiam por postos no governo.

Em alguns (raros) casos, a ocupação se dá para atender a exigências técnicas ou programáticas.

Na mas-sacrante maioria das vezes, porém, é apenas para empregar aliados e, assim, alocar verbas a seus redutos eleitorais.

Ou, pior, para financiar campanhas eleitorais.

Ou, ainda muito pior, para pura e simplesmente surrupiar dinheiro público.

Antes de o PT assumir o poder, cerca de 1 000 cargos federais eram preenchidos de acordo com escolhas políticas.

No atual governo, estima-se que só o partido do presidente tenha indicado 5 000 funcionários.

Criada há dezoito anos, a Funasa já tinha um histórico de loteamento de cargos e também de corrupção.

Em 2000, o governo Fernando Henrique Cardoso tentou moralizá-la com um decreto que restringia os cargos de diretoria a funcionários de carreira com mais de cinco anos em postos de chefia.

Uma das primeiras medidas adotadas pelo governo do PT em 2003 foi revogar o decreto.

Reabriu, assim, o caminho para a bandalheira na fundação.

Desde então, já se desviou dinheiro do combate à malária no Amapá e de convênios com índios de Roraima.

Nos últimos três anos, quarenta crianças da etnia guarani-caiová morreram de desnutrição em Mato Grosso do Sul.

A Funasa poderia ter evitado o morticínio se não tivesse uma administração inepta e os políticos que a controlavam não pensassem apenas naquilo – dinheiro.

Duas características fazem com que a Funasa seja um dos órgãos mais ambicionados por políticos: verbas polpudas – 4 bilhões de reais por ano –, muitos cargos (33 000 funcionários, ao todo) e uma enorme capilaridade.

Além dos índios, a fundação responde por obras de saneamento e ações de saúde no interior.

Nos estados mais pobres, ela tem um papel essencial.

No Acre, por exemplo, seu orçamento só é menor que o do governo estadual e o da prefeitura da capital, Rio Branco.

O PMDB assumiu o seu controle em 2005, quando o senador alagoano Renan Calheiros indicou Paulo Lustosa para presidi-la.

Lustosa caiu depois que se descobriu, entre outras coisas, que ele resolvera fazer uma emissora de TV para a Funasa, que custaria o dobro do canal privado Futura, da Rede Globo.

Foi sucedido por um de seus diretores, Danilo Forte, afilhado do deputado Eunício de Oliveira e sustentado pelos senadores do partido e pelo líder na Câmara, Henrique Alves.

Por esse motivo, os caciques estrilaram quando Temporão se voltou contra ele. “Eu não me referi à atual gestão da Funasa, mas às anteriores”, desdisse-se o ministro nos jornais (a reportagem de VEJA o procurou por três vezes e não teve retorno).

Como a gestão anterior também era do PMDB, a emenda saiu pior do que o soneto. “O ministro prevaricou.

Ele deveria ter tomado providências contra os corruptos”, diz o deputado Raul Jungmann (PPS), que pediu ao Ministério Público e ao TCU que investigassem a Funasa.