Até o final de outubro de 2006, o inquérito policial sobre a morte de Cristiane Lima dos Santos ainda não tinha sido concluído.

Cristiane foi a rainha do Carnaval do Cabo em 2002 e assassinada em abril doa ano seguinte.

A morte de Cristiane, a “rainha do Carnaval do Cabo de Santo Agostinho”, está na lista dos assassinatos que mais levantam suspeitas sobre as diligências policiais e reforçam o sentimento de impunidade.

Especialmente quando a vítima é pobre e negra, mesmo que a cidade a tenha escolhido como rainha, como seu com Cristiane.

O concurso aconteceu em fevereiro de 2002, e a passarela foi a praia do Gaibu, uma das mais conhecidas e procuradas do Cabo.

Cristiane Lima dos Santos tinha 22 anos e em novembro daquele ano de 2002 foi contratada como gerente do Motel Califórnia, às margens da estrada que liga a BR-101 a Porto de Galinhas, no município de Ipojuca.

Na noite da Sexta-Feira Santa do ano seguinte, 18 de abril de 2003, Cristiane desapareceu.

Na manhã do sábado seu corpo foi encontrado despido e atingido por quatro tiros às margens da estrada que leva ao Porto de Suape.

O principal suspeito é José Apolônio de Oliveira, 55 anos, o “Bobinha”, então vereador em Ipojuca e dono do Motel Califórnia.

No dia em que Cristiane desapareceu, ele ligou várias vezes para a sua casa, pedindo que viesse ao trabalho, mesmo sendo sua folga.

Os funcionários do motel viram Cristiane chegando e saindo logo em seguida, em um carro não identificado.

Na gaveta No final de outubro de 2006, o promotor de justiça Miguel Sales, que se ocupa do caso, ainda estava cobrando do Poder Judiciário notícia do andamento do inquérito.

Em casos de rotina, de acordo com a lei, a fase de diligências deve estar concluída em 30 dias.

No caso de Cristiane, o inquérito já foi devolvido várias vezes pelo Ministério Público, por conta de falhas nas investigações e nas perícias. “Estou há dez meses sem notícias desse inquérito”, diz o promotor Miguel Sales. “Não quero que fique na gaveta de algum delegado”.

Se o inquérito não foi concluído isso significa que ainda não há provas suficientes para denunciar alguém pela morte de Cristiane.

Significa também que não há julgamento previsto e que não se sabe nem se um dia haverá alguém para julgar e punir.

Para a opinião pública, o culpado é dono do motel e então vereador de Ipojuca, o “Bobinha”.

Para a Justiça, ainda não há provas.

José Apolônio perdeu o que seria o seu quinto mandato nas eleições de 2004 para a Câmara da cidade, mas continua proprietário do Motel Califórnia e com “muitas influências na região”. “Por causa disso, pedimos que o caso fosse conduzido pela Delegacia de Homicídio do Recife, que é especializada e não está sujeita aos interesses locais”, diz o promotor.

A pedido do Ministério Público, reforçado depois pelo governador e pela Secretaria de Defesa Social, a morte de Cristiane passou a ser pauta de audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, que trata das mortes de Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão.

As duas, então com 16 anos, foram mortas na praia de Serrambi em maio de 2003, na mesma região em que Cristiane foi assassinada. “Minha preocupação é que, enquanto as mortes de Maria Eduarda e Tarsila ainda ganham destaque na mídia e envolve pessoas importantes, o caso de Cristiane, por ele ser pobre, possa ficar esquecido”, diz o promotor.

O caso de “Serrambi”, como ficou conhecido, causa ainda mais estranhamento, diz Miguel Sales. “Como é possível que um inquérito dessa monta, com a interferência de tantas autoridades, possa estar ainda tão cheio de lacunas e imperfeições?” Motel Califórnia A irmã mais nova de Cristiane, de 13 anos, ficou muda assim que viu a irmã morta.

Recuperou a fala semanas depois, com acompanhamento especializado.

Doracy de Lima Santos, mãe de Cristiane, tem medo de falar sobre a morte da filha.

O Centro das mulheres do Cabo e a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, que vem acompanhando o caso, dizem que a família procura não aparecer. “A mãe sempre diz: ’eu aqui em casa tenho duas meninas; já perdi uma, não quero perdeu a outra’”, relata a vereadora Ana Selma Santos, 40 anos, uma filha, socióloga e professora. “A gente sabe quem é, mas não tenho como me defender, tenho receio de insistir.

Se denunciar, vou ficar sozinha”, diz a mãe.

Doracy pode contar com as Mulheres do Cabo, com o Fórum das Mulheres de Pernambuco, com o Ministério Público, até com a opinião pública.

Para ela nada disso basta. “Quando se trata de pobre ninguém tem interesse”, costuma dizer.

O inquérito de Cristiane continua cheio de falhas, embora já tenha sido devolvido mais de uma vez pelo Ministério Público à polícia.

Havia uma suspeita de abuso sexual, mas não foi feito exame que pudesse comprovar o fato e identificar o assassino.

O promotor Miguel Sales observa que o local do crime não foi preservado, nem foram feitas perícias no motel.

Suspeitas, da mesma forma, que o então patrão possa ter contratado um terceiro para matá-la, o que invalida o álibi de que não estaria no local naquele horário.

Os depoimentos revelam que Cristiane poderia ter um caso com o patrão e que passou a ser ameaçada depois que anunciou sua saída do motel.

Nos depoimentos, a mãe relata que, por várias vezes, o patrão chamou a filha ao telefone naquela sexta-feira, pedindo que fizesse um plantão extra, mesmo Cristiane já tendo anunciado a saída do trabalho.

Depois de muita insistência, Cristiane teria tomado uma van até o motel e desaparecido em seguida.

Segundo os depoimentos, os telefonemas que o patrão vinha fazendo com insistência à família, cessaram logo depois das 19h.

Nesse horário, os funcionários relatam que viram Cristiane passar pelo motel e sair em seguida em um carro não identificado que a esperava na pista.

Doracy e as filhas continuam morando na casa paupérrima no bairro de Mauriti, periferia do Cabo de Santo Agostinho.

Todos os dias, Cristiane descia até o centro do Cabo e tomava a van para Ipojuca, descendo na frente do Motel Califórnia.

Cristiane morreu porque era muito linda e muito pobre, costuma dizer as pessoas da cidade que sabem a sua história.

Quem segue pela estrada que liga a BR a Porto de Galinhas pode observar o mesmo luminoso e a mesma fachada do Motel Califórnia.

Nada mudou.

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