Editorial do Jornal do Commercio de hoje A violência institucional invade mais um espaço público.

Ela sempre se manifestou no abuso de poder, na prisão sem flagrante e sem mandado judicial, na repressão brutal e excessiva, no espancamento, na tortura, até na eliminação física e na execução que gera a máxima “bandido bom é bandido morto”.

Faltava a essa moldura radical – que compromete o Estado de Direito, como adverte o coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Manoel Moraes – o ritual de terror através da internet.

E ele chega como um assombroso acinte à sociedade.

A reportagem do Jornal do Commercio revelando a existência de vídeos mostrando policiais pernambucanos humilhando presos é um daqueles momentos de extrema perplexidade diante do absurdo intolerável.

E, no entanto, lá estão – ou estiveram – na rede mundial de comunicação adolescentes pernambucanos algemados fazendo o deleite de policiais com refrões indignos para qualquer corporação e muito mais se ela tem por destinação cuidar da segurança pública, corpos perfurados a bala ao som de rock, dois homens se beijando por ordem de um policial.

Numa delegacia, um detento é forçado a dizer que é o Grupo de Ações Táticas Itinerantes da Polícia Militar quem manda em Pernambuco. “Ilustrando” as cenas chocantes, advertências do que pode acontecer com quem comete algum delito.

Definitivamente, inaceitável.

Com muita propriedade, o repórter Carlos Eduardo Santos recorre ao sistema punitivo da Idade Média, antes de o Brasil ser encontrado pelos portugueses, onde os presos sofriam o suplício da humilhação em praça pública.

E faz a comparação inevitável: “Os séculos se passaram, mas a punição não só continua sendo tratada como espetáculo como é uma triste realidade em Pernambuco”.

Os testemunhos de que essas atrocidades vão além do que foi mostrado pela internet podem ser captados a qualquer hora nas áreas mais pobres do Grande Recife, como o Coque e os Coelhos, onde o repórter ouviu que a violência não é apenas contra adultos, mas “criança e adolescente na mão da polícia sofre aqui”.

E aí chegamos a um dos mais graves conflitos da sociedade brasileira e pernambucana nos dias de hoje: diante da criminalidade, é cada vez mais visível a deformação no modo de encarar os direitos humanos.

Basta ligar as emissoras de rádio ou de TV nos horários de noticiários policiais.

A reação das pessoas diante de crimes bárbaros que são cometidos é a de verdugos.

Os depoimentos reduzem o sistema penal à vingança pura e simples.

Defende-se abertamente a pena de morte, a eliminação sumária de bandidos, e critica-se como um clichê os que defendem os direitos humanos.

O mais grave: essa visão de mundo distorcida não recebe um tratamento corretivo pedagógico na mesma proporção.

O resultado é que cresce como uma onda a idéia de que bandido bom é bandido morto, agora encampada por agentes públicos, remunerados pela sociedade para trabalhar pela segurança coletiva, respeitar e fazer respeitar o ordenamento jurídico, que outra coisa não é senão a forma objetiva, escrita e consagrada de defesa dos direitos humanos. É isso que precisa ser dito com vigor aos nossos agentes públicos de segurança. É inadmissível que por serem mal remunerados ou estejam fragilizados diante das organizações criminosas acrescentem a essas deficiências institucionais a deformação de caráter, a transformação de seu papel pacificador em instrumento de vingança dos que se sentem impotentes com o fracasso do Poder Público em instalar segurança como um patrimônio coletivo irrenunciável.

Se nós não temos segurança porque há delinqüentes sujeitos ao Código Penal, que nos resta se os agentes públicos responsáveis pelo enfrentamento dos delinqüentes zombam das leis e agem também como bandidos, supondo que a farda e a identidade de policial lhes trazem imunidade?