Da Revista Época Recém-chegado de um encontro na Namíbia, onde participou de discussões para a criação de uma rede de proteção social na África, o economista Fabio Veras é, aos 37 anos, uma referência internacional no tema transferências de renda.

Graduado em Economia pela Universidade de Brasília, com doutorado pela University College London, ele tem se dedicado a estudar o impacto do Bolsa Família e a transmitir, para outros países, um pouco da tecnologia brasileira no ramo.

Ele representa uma linha de pesquisadores que apontam como principal defeito do Bolsa Família o fato de ele não atender ainda todas as famílias que precisam do Estado. ÉPOCA – Por que o Bolsa Família começa a virar referência internacional?

Fabio Veras – A grande experiência que pode ser compartilhada a nível internacional é o arranjo descentralizado que já mostra iniciativas bastante inovadoras das prefeituras.

Em geral, os programas da América Latina, como o mexicano e o colombiano, começaram de forma muito centralizada.

Eram ações do governo federal encarregado do contato direto com os beneficiários, sem outros gestores na operação.

A experiência brasileira, pelo contrário, vem de iniciativas localizadas que só receberam apoio federal a partir de 2001, resultando no atual desenho do Bolsa Família.

O papel dos prefeitos é extremamente importante para o programa, que não teria a focalização nem o reconhecimento que tem se não fosse isso. ÉPOCA – Qual é a principal qualidade e qual o maior defeito do programa?

Veras – Ter apostado na grande escala, fundamental para ter impacto na desigualdade.

Não vejo defeitos no desenho do programa, mas ajustes necessários.

Ao contrário de outros programas, o Bolsa Família é baseado na renda reportada pelas famílias, que é relativamente checada.

Mas esse critério é um problema porque a renda do pobre é muito volátil.

Outros programas usam indicadores multidimensionais, que não oscilam tanto.

No Brasil, estamos falando de um grupo de 4 a 5 milhões de famílias cuja renda estará sempre flutuando ao redor daquele critério de seleção, o que significa que várias famílias podem ficar de fora mesmo quando a renda cair, porque a entrada no programa não é automática.

Existe uma cota nacional de 11 milhões de famílias, estimada a partir das pesquisas domiciliares e do Censo 2000 que, por já ter oito anos, não é mais uma medida muito precisa.

O principal desafio agora é romper com essa noção de que uma família com renda per capita de R$ 119 merece receber o benefício, e a família que recebe R$ 125 não merece.

Seria bom incorporar de alguma forma o critério da volatilidade da renda dos mais pobres. ÉPOCA – Se o governo tivesse que optar entre ampliar a cobertura, sofisticar as contrapartidas ou aumentar o valor, qual o senhor recomendaria?

Veras - As opções nunca são totalmente excludentes.

A cota de 11 milhões prejudica o programa.

O Bolsa Família precisa ser ampliado para atingir a população vulnerável que a qualquer momento pode cair abaixo da linha estabelecida.

A renda do pobre é muito volátil.

Seria importante também ter uma regra clara de reajuste, para não ser discricionário como é hoje.

Quanto às condicionalidades, o mais importante é consolidar o que tem.

A saúde continua sendo um grande gargalo para as checagens.

O desafio para a educação é algo que o programa não pode resolver.

Vai para a conta do MEC e das secretarias estaduais e municipais porque o que estamos demandando é ensino de qualidade.

Há quem defenda prêmios para rendimento escolar, algo que acho muito perigoso para o governo federal implementar.

Se uma secretaria local se sente preparada para isso, então faça um projeto piloto e teste.

Para o governo federal, não recomendo.

Existe outra coisa que as pessoas costumam esquecer e que demorou mais a avançar: são os programas complementares, que tiram do Bolsa essa carga de ser um programa de aumento de renda das famílias no curto prazo. É muito mais amplo.

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