Por Eduardo Graff O que a resistência à ditadura uniu o governo Lula separa. “Chegamos àquele ponto da trajetória que divide, sim, os partidários da herança comunista e liberal”, constata Reinaldo Azevedo em “O País dos Petralhas”.
O Brasil hoje é o campo de batalha dessas duas facções.
De um lado o “Apedeuta” espertalhão e sua tropa de esquerdistas sem utopia, mas com volúpia do poder do Estado e suas boquinhas mil.
Do outro lado, os que não se deixam tapear nem intimidar na defesa do Estado de direito democrático, ainda que carimbados de direitistas.
Azevedo tem sido de longe o crítico mais afiado do lulo-petismo na imprensa brasileira, primeiro na chefia de redação da revista “Primeira Leitura”, depois no blog hospedado por “Veja”.
Se você não era leitor dele (porque não ligava para política ou acabou de voltar da Lua, sei lá), o livro recém-lançado é a chance de mergulhar de cabeça numa seleção pelo próprio autor dos mais de 11 mil textos que postou no blog desde 2006, além de artigos que publicou no jornal “O Globo” entre 2005 e 2006.
Para você que é freguês do blog, como eu, a leitura selecionada e no papel realça o que o tiroteio on-line (são em média uns 20 posts por dia) pode esfumaçar: o arcabouço de idéias por trás das visões e opiniões variadas e o perfil do autor como personagem dele mesmo.
Munição e graça Em política, Azevedo tem uma idéia fixa, e basta: a democracia -sem tergiversação- liberal, fundada na liberdade do indivíduo e escudada na lei.
Em defesa desse valor fundamental, ele fustiga sem piedade a esquerda que chegou ao poder pela democracia, mas que, movida por interesses corporativistas e reflexos totalitários, não dá em troca sinais convincentes de respeito pelas instituições democráticas.
Sobram balas para outros, é verdade: os políticos tradicionais gostosamente enquadrados na nova ordem governista; as elites pseudoliberais que fecham os olhos para a deterioração das instituições enquanto isso parece não contaminar o mercado financeiro e o ambiente dos negócios em geral; a oposição parlamentar vacilante entre o dever de resistir aos avanços do lulo-petismo e o medo de arrostar a popularidade do “Apedeuta” e suas patrulhas sindicais-ideológicas.
Diferentemente dos jornalistas que usam a independência como álibi para a neutralidade, no entanto, Azevedo não deixa de distinguir as diferenças.
O grosso de sua munição vai para os “petralhas” de acordo com o peso e a medida dos seus pecados contra a democracia.
Se ficasse nisso, ele poderia ser só um crítico excepcionalmente ácido do lulo-petismo.
Para sorte dele, e nossa, Azevedo tempera a crônica política com boas doses de erudição filosófico-literária, uma visão idiossincrática bem-humorada das variedades da indústria cultural e uma exposição comedida de impressões e sentimentos pessoais.
EDUARDO GRAEFF é cientista político e foi secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso