A Lógica da Incoerência - trecho 1 Promotor Miguel Sales Numa em entrevista concedida recentemente a este conceituado Blog, disse o deputado Maurício Rands, de quem tive a honra de ser eleitor, que “A vontade de 432 mil pessoas (eleitores que deram vitória a João da Costa) teria sido substituída pelo entendimento de uma única pessoa, o juiz.” Declara ele ainda que posição diversa, é uma “subversão do direito democrático”.

Com a devida vênia, trata-se de um raciocínio equivocado, que se contradiz com a ordem jurídica e o regime democrático, edificado a partir da Constituição de 1988.

Assim, para uma mais adequada compreensão de nosso sistema político-jurisdicional, devem se colocar os pontos nos iis, eliminando-se, ao menos os sofismas, que, por evidência, se contrapõe aos postulados da nossa democracia representativa e republicana.

Ressalte-se que aqui não se discute, seja na forma ou no mérito, a decisão contra a candidatura do nobre recém-eleito prefeito do Recife.

Quer-se apenas esclarecer o que significa uma decisão de 1ª instância, tendo pela proa a concepção explicitada pelo digno deputado, que, ao meu sentir, se manifesta numa inversão de valores aos preceitos constitucionais acima elencados.

Como se sabe, num estado democrático de direito, constituído por três Poderes, como é caso de nossa República, a palavra final sempre é a do Judiciário, queiram ou não queiram os candidatos e seus eleitores.

O acatamento a essa regra jamais representa a subversão do direito democrático; mas, ao contrário, a afirmação do regime político não-autoritário, ancorado na célebre divisão dos poderes preconizado pela genialidade de Montesquieu.

Claro, que a decisão primeira sempre é de um juiz de 1ª instância.

E se dela não se recorrer, é de última.

Num regime de distribuição de competência - como é o nosso, ao contrário das monarquias ou dos regimes totalitários –, o ato de julgar, atribuição específica do juiz, não importa a instância, representa, em tal momento, a expressão soberana de todo o Judiciário, um dos Poderes da República.

De igual modo, a denúncia de um integrante do Ministério Público não é uma manifestação pessoal, mas a daquele em sua integridade, como dito na Constituição da República.

Esta, como é óbvio, deve ser obedecida por todos; sobretudo, pelos exercentes de cargos públicos, que um dia a juraram solenemente.

Sem dúvida, a decisão de um juiz, como a de qualquer tribunal, pode haver equívocos, e até injustiças.

No meio jurisdicional, as determinações também são relativas.

O que dizer, por exemplo, em certos casos, dos entendimentos conflitantes de ministros do Supremo Tribunal Federal, quando o julgamento proferido pela Corte sai a voto de minerva?

No STJ, a decisão para que os fichas-sujas pudessem ser candidatos foi pelo apertado quorum de 4X3.

Logo, qualquer que fosse a decisão deveria ser acatada, a não ser que se fizesse uma Revolução.

No passado o Congresso Nacional foi fechado, e quem ditava as regras era o Executivo militarizado.

Em respeito à soberania dos poderes, mais uma vez pedindo vênia, entendo deselegante tratar o juiz Nilson Nery, ou a qualquer outro que tivesse em seu lugar, de simplesmente “um juiz” ou coisa parecida.

Pois, repetindo, o magistrado na sua missão de julgar (não importa a instância) se apresenta como um dos integrantes dos Poderes da República.

Isso por vontade maior e soberana de uma Assembleia Nacional Constituinte.

No caso da nossa, composta pelos próprios parlamentares em curso de seus mandatos.

Ademais, juízes, promotores, seus familiares, têm nome, os quais também são representados pelos eleitos, e antes disso, igualmente são concitados por eles ao voto.

Sempre é mais correto politicamente chamar a alguém pelo nome, mesmo que dele se discorde.

A lógica de Rands me surpreende.

Se viesse de uma pessoa não versada no mundo do Direito talvez nem tanto.

Infelizmente, alguns petistas não vêem com bons olhos juízes e promotores, como certa vez me dissera o respeitado Jorge Perez, presidente estadual do PT.

Eu pergunto - “e por quê?” À falta de resposta, lembrei-me uma brincadeira-pesquisa que fizemos no Congresso Nacional do MP na cidade de Fortaleza.

Resultado: 90% da classe disseram que votaria em Lula, e nesta época ele ainda não era maior que o PT – não sei se, à época, essa foi causa dele ter perdido a eleição.

Suponho que tal opinião eleitoral era ou é semelhante na órbita do Judiciário.

Assim, não entendi o porquê de sermos mal vistos por alguns de seus membros.

Hoje acho que sei.

Bom, mas isso não vem ao caso…

Leia a continuação do artigo: Promotor reage à declaração de Rands sobre cassação de Costa