José Paulo diz que não se propôs a escrever uma nova interpretação de Pessoa, “muitas existem, para todos os gostos”.
Quis que o livro fosse “simples guia para não iniciados”.
Ele sempre teve consciência das dificuldades, comuns nas biografias, em voltar a um passado que encerra “não só lembranças, mas as mortas esperanças”.
No caso de Pessoa, “difícil especialmente pela extraordinária imprecisão em tudo quanto diz respeito àquele para quem “o mundo imaginário foi sempre o único mundo para mim”.
Como a marcação do tempo, em Pessoa sempre imprecisa. “Não marco datas, porque datas são ficções do tempo falso”, dizia o poeta.
O mesmo em relação a títulos de poemas, contos e livros, “alguns dos quais sequer existiram”.
Como o Pastor Amoroso, “com últimos versos escritos em 23 de junho de 1930, que acaba firmado por Alberto Caeiro, já morto desde 1915, enquanto, muito do que escreve, nem título tem.
Por ser o seu jeito.
Ou talvez pense fazê-lo depois, algum dia”, justifica.
Essa imprecisão aparece até nos relatos que antecedem a morte do poeta. “As primeiras dores lhe vêm na noite de 26 de novembro de 1935, em sua casa, e não há ninguém com ele.
Ou tudo se dá no dia seguinte, 27, em casa do compadre Armando Teixeira Rabelo.
Para outros, na noite de 28, novamente em casa e novamente só.
Para outros ainda o cenário é o mesmo, também à noite, mas já é 29, e com ele está seu colega de escritório Francisco Gouveia.
Então o levam ao Hospital São Luís dos Franceses.
Nesse mesmo 29, ou dois dias antes.
De auto-maca, para uns; no automóvel de Rabelo, para outros; ou no automóvel de Carlos Eugênio Moitinho de Almeida, seu patrão na Casa Moitinho de Almeida.
Sozinho, ou com ditos Moitinho e Gouveia.
Ao morrer tem a companhia do seu médico, primo por parte de mãe, o Dr.
Jayme Pinheiro de Andrade Neves.
Talvez, também um médico do hospital, o Dr.
Alberto Antonio de Moraes Carvalho Sobrinho.
Estaria sozinho, nesta hora; ou com ele estão os amigos Gouveia, Victor José da Silva Carvalho e Augusto Ferreira Gomes.
Capelão, sem dúvida; e enfermeiras, provavelmente religiosas – posto ser então o hospital administrado pela Ordem de São Vicente de Paula.
Mas quem?
As pesquisas que fiz resultaram inúteis.
Sem mais registros, por lá, de capelães ou religiosas daquele tempo”.