Da Veja O Banco Central está disposto a usar todo o seu arsenal para assegurar o funcionamento do sistema financeiro brasileiro. É o que diz o presidente do BC, Henrique Meirelles, na seguinte entrevista a VEJA.

Quais são as principais armas do Banco Central para atenuar os efeitos da crise externa?

O Banco Central dispõe de mais de 200 bilhões de dólares em reservas internacionais, depósitos compulsórios volumosos, uma posição substancial no mercado de dólares futuro, além de poderes para efetuar posições de redesconto sem limitações.

Portanto, temos munição mais do que suficiente para enfrentar as questões de liquidez do mercado.

O país atravessará a atual crise com um contágio inferior ao de crises no passado recente?

A crise externa é severa, e ninguém estará imune a ela.

Além dos fatores mencionados anteriormente, temos uma dívida pública cadente como porcentual do PIB e o BC comprometido com o controle da inflação. É preciso também enfatizar que o governo brasileiro é credor líquido em moeda estrangeira, e, em momentos de crise internacional com depreciação do real, a dívida pública cai.

Esse é outro fator estabilizador importante.

O Brasil possui mais de 200 bilhões de dólares em reservas e superávit na balança comercial.

Por que o dólar subiu tão rápido?

A falta de dólares nos mercados interbancários internacionais provocou um desequilíbrio momentâneo entre oferta e demanda de dólares.

Exportadores que haviam apostado na desvalorização da moeda americana tiveram que comprar dólares para fechar a posição perdedora no mercado futuro, reforçando esse desequilíbrio.

A queda do preço das commodities também parece ter contribuído para esse movimento.

Finalmente, o aumento da aversão ao risco internacional fez com que investimentos retornassem aos países de origem.

Por outro lado, os fundamentos sólidos da economia brasileira tenderão a prevalecer.

O Banco Central demorou a agir contra os efeitos da crise, vendendo dólares tarde demais?

O BC sempre é criticado por atuar demais ou de menos.

Nossa política de ampliação das reservas, por exemplo, foi muito criticada por analistas que não previam a possibilidade de crise.

Neste episódio, o BC usou diversos instrumentos à sua disposição conforme foi necessário.

Isso não significa que o BC tenha metas para a taxa de câmbio.

Tentativas no passado de controlar a taxa de câmbio foram malsucedidas.

Nossa atuação visa apenas a reagir a mercados disfuncionais, isto é, sem liquidez.

Em crises da década passada, o Brasil dispunha de reservas, e ainda assim o país foi presa fácil dos especuladores.

As reservas evaporaram em poucos dias.

Corremos esse risco agora?

Não corremos esse risco agora.

Naquela época o Brasil tinha um regime de câmbio controlado e o BC vendia qualquer quantidade de dólares a uma taxa predeterminada.

Hoje o país tem câmbio flutuante e fundamentos mais sólidos.

O aumento da taxa de câmbio é um fator estabilizador nos fluxos cambiais na medida em que estimula exportações de bens e serviços e desestimula importações dos mesmos.

Além do mais, vale repetir que o Tesouro é um credor líquido em dólares.

Isso faz com que a dívida pública caia quando há uma depreciação do real.

O BC só decidiu vender dólares das reservas quando a cotação passou de 2,40 reais.

Esse é o teto, a meta superior do BC para o câmbio?

O BC não tem meta de câmbio, tem meta de inflação.

O BC entrou no mercado quando julgamos ser o momento adequado para uma ação eficaz, como foi demonstrado pelos fatos.

As intervenções do BC no câmbio, na semana passada, ajudaram empresas que haviam feito apostas erradas em câmbio?

Foi esse o propósito da ação?

Não houve ajuda a nenhuma empresa ou setor.

O BC atua visando a regularizar a liquidez nos mercados de câmbio, cujo desequilíbrio persistente poderia provocar uma crise de graves conseqüências para o país, como tivemos no passado.

As intervenções beneficiam a economia brasileira como um todo, os cidadãos e as empresas em funcionamento no país.

Além disso, o Tesouro tem tido ganhos cambiais expressivos, e até o momento não houve dispêndio de um centavo público.

A solvência do sistema financeiro nacional está a perigo, como nos EUA e na Europa?

O sistema bancário americano sofreu perdas substanciais no sistema hipotecário, e essa é a causa dos problemas.

Os bancos europeus também vêm sofrendo perdas importantes no mercado imobiliário americano.

Os bancos brasileiros não têm empréstimos nesse setor.

As questões de liquidez no Brasil são reflexo da liquidez externa, e providências estão sendo tomadas.

Não há problemas de solvência bancária no país.

Note-se que a MP 442 visa a lidar com problemas de liquidez, não de solvência.

Quais as principais ações do BC para mitigar o risco sistêmico?

O BC já reduziu depósitos compulsórios, efetuou vendas de dólares nos mercados à vista e futuro e está provendo linhas de liquidez em dólares.

E está preparado para tomar outras medidas, caso necessário.

Por que o BC não aumenta a liquidez reduzindo a taxa de juro, em vez de diminuir os depósitos compulsórios?

Política monetária e gestão de liquidez são coisas distintas e não devem ser confundidas.

A decisão sobre taxa de juro visa a cumprir a meta de inflação.

As medidas de liquidez visam a assegurar o bom funcionamento dos mercados e seus efeitos na atividade econômica.

Ambas as políticas fazem parte dos arsenais dos bancos centrais.

O que tem ocorrido em muitos países é que a conjuntura vem se alterando rapidamente.

Caiu a prioridade de combater a inflação?

De forma alguma.

O BC continua integralmente comprometido com a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional.

A MP 442 é uma espécie de Proer?

Não.

O Proer visou a proteger os depositantes e o país de perdas existentes no sistema financeiro, tal como está sendo feito em outros países.

A MP 442 é totalmente transparente, e seu objetivo é apenas enfrentar problemas de liquidez, e não de solvência, de instituições que tenham carteiras de boa qualidade para oferecer ao BC.

Quais são o melhor e o pior cenários para a economia mundial?

O melhor cenário seria uma contenção rápida da crise financeira, com recuperação gradual da disponibilidade de crédito e da atividade econômica ao longo de 2009 e 2010.

O pior cenário seria a agudização da crise, o aumento do protecionismo, o nacionalismo exacerbado e as tensões políticas vigentes na década de 30 do século passado.

Qual é o mais perigoso canal de contágio da crise mundial na economia brasileira?

A contração do crédito, que teria efeito contracionista sobre a atividade econômica, e a pressão cambial, que poderia ter efeito inflacionário.

Nossas ações visam exatamente a mitigar esses impactos sobre a economia.