O debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil leva as pessoas que o assistem às conclusões precipitadas como a de que ou se está do lado de quem defende os direitos das mulheres ou se está do lado das religiões.

Ou seja: surge o pseudoconflito entre direitos humanos das mulheres versus credo individual ou coletivo de um grupo ou organização.

Assim, só se seria contra o aborto a partir de argumentos confessionais.

Será?

Independente do lado em que você leitor está, deve-se ter na cabeça, bem claro, posição de quando se inicia vida.

Para, enfim, emitir uma opinião.

Existem duas grandes escolas a respeito: a escola genética, que define como humano todo ser que tem um código genético, ou seja, desde a concepção (fecundação do gameta feminino pelo masculino); e a escola desenvolvimentista, que exige certo grau de desenvolvimento do novo ser, p ex., a implantação do ovo no útero, a formação do córtex cerebral ou sua saída do útero.

A maioria das religiões pelo mundo afora e boa parte dos cientistas acreditam que no ovo que deriva da fecundação já se encontra constituída a identidade biológica de um novo indivíduo humano.

Neste contexto o parto é a passagem da gestação materna para a autonomia fisiológica da vida.

Por tratar da vida, a discussão sobre o aborto é de grande complexidade e deve estar intimamente ligada a vários campos do conhecimento científico relacionados à sustentabilidade da vida humana no planeta como a sociologia, ecologia, antropologia, saúde pública, etc.

Lamentavelmente o que se vê, no mundo da informação, são metáforas tornadas ideologias que se espalham por setores que deveriam ser estritamente técnicos.

Pensamentos de origem liberal (às vezes com outra roupagem) que, infelizmente, têm assumido estatuto científico de uso político, embora, claramente não possuam fundamentação teórica-epistemológica.

A questão central aqui não seria ser a favor ou contra o aborto, mas sim usar a inteligência humana, pautada na racionalidade, para aprofundar a discussão dos direitos humanos das mulheres com o seguinte debate: a partir de quando as mulheres devem e merecem ser defendidas?

Assim como na saúde pública, que trata de vidas humanas, não cabe ideologizar o debate (em defesa do aborto) sem um aprofundamento técnico, sustentável e histórico.

Também não cabe (ao ser contra o aborto) usar histórias dramáticas, onde um filho que seria abortado (e escapou) veio a ser um grande homem.

Repito a pergunta para reflexão: a partir de quando as mulheres devem e merecem ser defendidas?

A defesa das mulheres deve acontecer a partir da primeira menstruação?

Do nascimento?

Da concepção?

De quando?

O que dizer então das pessoas e grupos que defendem os direitos das mulheres e defendem o aborto?

Se entendermos que a vida humana se inicia com a união do espermatozóide masculino ao óvulo feminino (podendo gerar outra mulher) defender o aborto não seria contraditório para quem defende as mulheres?

Não seria ir contra os seus próprios estatutos?

Será que as mulheres que dependem fisiologicamente de outras para sobreviverem não merecem ser defendidas?

E o homem nesta história toda?

Por que quando se fala em gestação só a mulher é simploriamente responsabilizada?

Será que não se deve lutar também pela vida das mulheres abandonadas (mãe e filha) por homens forjados numa sociedade machista que vê nas mulheres objetos de prazer, de consumo e descartáveis?

Ao sermos obviamente contrários ao aborto devemos ter o cuidado de não desclassificarmos grupos de direitos humanos que defendem as mulheres.

Essas pessoas devem ser profundamente respeitadas porque, em tese, lutam pela promoção das mulheres, mas devem ser chamadas para um amplo debate sobre a sustentabilidade da vida humana (das mulheres inclusive) e sobre as fragilidades de seus argumentos a partir do ponto de vista dos direitos humanos.

Pois, boa parte dessas organizações e pessoas só defendem o aborto porque não foram completamente informadas (e formadas) sobre as graves conseqüências que ele traz para a humanidade.

VANDSON HOLANDA Coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Olinda e Recife Secretário do Instituto Nacional de Biomedicina (INB) vandsonholanda@uol.com.br