Outro bom editorial da Folha de São Paulo, sendo este de sábado Confusão de papéis A ESPIONAGEM contra ministros da mais alta corte brasileira era tratada como fato em conversas de corredor na capital federal.
Na falta de comprovação pública da gravíssima suspeita, a grande maioria da população estava privada do direito a essa informação.
Restrito aos gabinetes, o tema não ganhava o destaque que merecia na agenda das autoridades eleitas.
A divulgação, pela revista “Veja”, de uma conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) alterou radicalmente o quadro.
Ressalte-se: apenas a publicação do teor de um diálogo gravado ilegalmente pôde libertar das sombras um assunto de notório interesse público.
O exemplo é bastante didático em relação ao papel que cabe à imprensa, numa sociedade livre, de quebrar pactos de silêncio e democratizar a informação sempre que estiver diante de um fato de interesse público.
Nesses casos, o direito dos cidadãos à informação prevalece sobre outras garantias constitucionais ou legais.
Se o teor de uma escuta telefônica ilegal é verídico e relevante, então deve ser publicado.
Sem essa garantia ao jornalismo -na Carta reforçada pela prerrogativa de não revelar a identidade da fonte da notícia-, o acesso coletivo à verdade estaria prejudicado no país.
O controle público do poder e dos poderosos, que tendem a distorcer, dissimular e ocultar informações, ficaria comprometido.
Por isso é preciso repudiar a mais recente tentativa do governo federal de constranger o livre exercício do jornalismo.
O ardil veio na forma de uma traficância no projeto de lei que busca, corretamente, aumentar o rigor legal contra a disseminação descontrolada das escutas telefônicas, legais e ilegais, no Brasil.
Mas o projeto sai do curso quando pretende criminalizar a utilização de grampos “para fins diversos dos previstos em lei”.
A redação genérica é uma brecha óbvia para ameaçar veículos e profissionais de jornalismo.
Abusos cometidos pela imprensa já estão sujeitos a sanção no Código Penal.
A tentativa de criar uma nova figura, específica para grampos, mal oculta as digitais de quem ainda não se habituou à vigilância democrática e deseja reinar sozinho.