Por Roberto Numeriano A campanha à Prefeitura do Recife, agora na sua reta final, mostra como os termos político-institucionais de fazer e viver a política como arte e ciência estão esgotados nas democracias liberais, periféricas ou não aos países centrais capitalistas (basta ver a encenação “democrática Obama x McCain).
Os gestos, as falas, as “táticas” e “estratégias”, a mistificação de marqueteiros (sempre se dando uma importância que não possuem, incensados quase sempre por jornalistas mistificados), a mídia que tenta atiçar (subliminarmente) a baixaria, mas ao mesmo tempo cobra agendas propositivas, a pasmaceira geral dos partidos de esquemas e práticas deletérias para a democracia, o desespero de gente cujos projetos pessoais ameaça naufragar, o irracionalismo das idéias e a fantasia enganosas de muitas propostas.
Tudo isso é o ambiente da política de corte político-ideológico liberal: uma ciranda de vícios e vazios que volta a cada eleição.
Trata-se de um modelo esgotado porque o principal ator político não está presente como protagonista dos processos políticos.
Esse ator é o povo, tão decantado nas democracias liberais, mas ao mesmo tempo o mais enganado, traído e vilipendiado nos seus justos interesses pelos políticos que nos gabinetes e parlamentos encenam o exercício da democracia.
Como assim, “não está presente”, se ele está indicando suas “intenções de voto”, se ele vai atrás de andores pelas vielas e bairros degradados, se ele aparece nos guias para exaltar ou detonar esta ou aquela gestão?
Não me refiro a esse povo que, incidentalmente, participa do processo.
Eu falo do povo recifense, do cidadão recifense, de todos nós que habitamos uma cidade de guetos.
Eu falo do povo real, que está além da política.
De um povo que habita os guetos da desigualdade ou da opulência, ambos resultantes da contradição de uma grave concentração de renda nas camadas sociais altas, enquanto as da base da pirâmide econômica sofrem o desemprego e fome endêmicos.
O esgotamento desse modelo social, econômico e político capitalista significa o esgotamento da própria forma da representação do poder como expressão de vontades coletivas.
Em outras palavras, o modelo liberal de representação não expressa a vontade coletiva porque, efetivamente, o poder dessas coletividades não se faz traduzir nas Câmaras de Vereadores, e tampouco nos Executivos municipais.
O Legislativo e o Executivo municipais disputam entre si seus interesses corporativos, eventualmente atendendo a demandas populares.
Privatizam o exercício do poder, jamais distribuem e socializam o poder que, uma vez emanado do povo, jamais retorna a ele.
Como podemos quebrar essa lógica irracional?
Não tenho ilusões, como candidato à prefeitura do Recife, dos limites impostos (institucionais e do mundo real da política como ela tem sido) a uma proposta de gestão que se apresenta como programaticamente diferenciada de partidos e frentes político-partidárias que oscilam entre a visão ultra-radical de esquerda e a visão pasteurizada e estreita da ordem hegemônica atual, representada pelo PT, PMDB, PSDB, DEM, PSB e outros menos poderosos.
Entre estes, tente achar alguma diferença de conteúdo político-ideológico fundamental e eu lhe darei de presente um livro como “O Príncipe”, do velho Maquiavel.
Para mim, falando aqui também como cientista político, essa lógica não será quebrada sem a progressiva ascensão, pelos movimentos de massa e populares, de idéias e agendas político-sociais que comecem a quebrar e romper de dentro para fora e de fora para dentro essa ordem político-institucional contaminada e degenerada.
Ordem na qual voto é moeda de troca, os partidos se submetem aos esquemas de “doações” (até alguns que, tal qual o PT originário, proclamavam sua pureza contra o capital de empresas privadas), os políticos saltam entre partidos como ratazanas em polvorosa de navios soçobrando, as velhas raposas políticas começam a ungir seus filhos como políticos (tornando os parlamentos capitanias hereditárias de proprietários de currais eleitorais urbanas).
Para socializar a política na perspectiva do rompimento dessa ordem degenerada, é necessária a gestação de políticas contra-hegemômicas por parte daqueles movimentos, incluindo sindicatos e outras entidades não contaminadas.
A criação, por exemplo, de Câmaras Populares nos bairros seria um dos meios de socializar o poder, distribuindo-o a partir da intervenção direta daqueles que estão apenas formalmente representados nas Câmaras da ordem atual.
Mas isto tudo será uma etapa superior que poderá ocorrer em função das contradições desse modelo de representação político-institucional esgotado e degenerado do liberalismo.
Não sabemos exatamente o que será que será, mas podemos assegurar que é preciso criar uma concepção de poder revolucionária sobre o exercício do poder nas Câmaras e nos governos municipais.
Roberto Numeriano é candidato do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à Prefeitura do Recife.