Por Lêda Rivas No blog de Ana Camelo “Estou com saudades.

Vamos tomar um vinho, qualquer dia desses”.

Com estas palavras gentis – tão ao estilo do seu cavalheirismo – Pelópidas Silveira se despediu de mim, após a última e longa conversa que tivemos, por telefone, faz poucos meses.

Inquieta com algumas dúvidas sobre as posições partidárias de Rodolfo Aureliano da Silva, primeiro juiz de Menores do Recife, cuja biografia eu estava concluindo, recorri ao meu velho amigo, como sempre fazia, quando me assaltavam dúvidas sobre a história política recente da província.

De Aureliano, dizia-se que tinha sido integralista e que chegara a pertencer ao Partido de Representação Popular (PRP).

Pelópidas, na solicitude costumeira, estendeu-se em esclarecimentos e revelações sobre o magistrado, de quem fora amigo e cuja casa, na Avenida Conde da Boa, freqüentava, à época do alargamento daquela via. “Ele era um católico praticante, mas não um radical a ponto de se envolver com o integralismo”, garantiu-me o ex-prefeito, para quem o juiz era um homem “acima das politicagens”, “que respeitava os contrários”.

E do meu biografado nossa conversa derivou para lembranças que nos eram tão caras, sobretudo, as de companheiros que a “indesejada das gentes” – parafraseando Bandeira – nos levara.

Aprendi a admirar Pelópidas Silveira pelo administrador que fora e pelo político coerente que era.

Fiel aos seus princípios e aos seus amigos.

Vertical, inteiro.

Era assim que a ele se referia o meu pai, um “mais do que espanhol, galego”, simpatizante declarado do franquismo, que não se envergonhava de expressar o seu entusiasmo pelo prefeito popular. “Aquele homem que cuidava da cidade, vestindo um macacão”, como elogiava dona Lóla, minha mãe, que nem morria de amores pelos socialistas.

Foi de posições contrárias que comecei a enxergar Pelópidas.

O Diario de Pernambuco deu-me a oportunidade de conhecer o grande homem de perto e confirmar tudo aquilo que ouvira em casa.

Recolhido a uma minúscula sala no terceiro andar do prédio da Pracinha, Pelópidas vivia cercado de plantas e cálculos.

Fui encontrá-lo ali, levada pelo jornalista Antônio Camelo, diretor do DP, em meados dos anos 80, para trocarmos idéias sobre as instalações que caberiam ao Departamento de Pesquisa e ao Viver, na reforma interna que estava sofrendo o edifício.

Para desespero de Camelo, estabeleceu-se, de imediato, uma cumplicidade entre nós.

Diferente do que planejara o chefe, o engenheiro atendeu a todas as minhas reivindicações, ganhando, a Pesquisa e o Viver, a ampla dependência, da qual, realmente, precisavam.

O fim das obras não interrompeu nossos contatos.

Vez por outra, nós nos encontrávamos na salinha dele ou no gabinete de Camelo, para conversas amenas.

Não raro, derivávamos para a política, e era divertido observar o duelo travado entre o diretor conservador e o ex-prefeito idealista.

Não coincidiam em nada.

Só na admiração e no respeito mútuos. “Este homem é um bravo”, dizia Antônio Camelo, reverente.

Pelópidas tornou-se presente em muitos momentos marcantes da minha vida.

Quando fui afastada da Editoria do Viver, ele fez questão de participar, ao lado de sua meiga e dedicada Marilu, do almoço de solidariedade que artistas e intelectuais me prestaram, fazendo, na ocasião, um tocante depoimento, que me levou às lágrimas.

Seu testemunho sobre o meu trabalho foi tão gratificante quanto o discurso proferido, na oportunidade, pelo mestre Manuel Correia de Andrade.

Anos depois, seria a minha vez de lhe prestar solidariedade, ao vê-lo dispensado pelo mesmo Diario, que ele tanto amava.

Doeu-lhe, profundamente, o gesto frio dos novos administradores do jornal, “ignorando”, lastimava ele, “tanto tempo de empenho e dedicação”.

Homem moldado na política, era estranho que não tivesse se acostumado às ingratidões humanas.

Sobre esse pouco edificante tema também falamos, no nosso último telefonema.

De quanto, ambos, estávamos desiludidos com os rumos que queriam dar ao País, certos gestores.

Nesta manhã de sábado, quando me chega a notícia da morte do meu amigo, não posso evitar o lugar-comum da expressão “irreparável perda”.

Em momento de indigência ética, o desaparecimento de Pelópidas Silveira alarga o já imenso deserto político que atravessamos.