Por Alberto José de Araújo Lamentável sob todos os aspectos o fato de o presidente Lula defender o fumo em todo e qualquer lugar.

Nunca antes nesse país um presidente perdeu tanto os sentidos essenciais a quem foi delegado, pelo voto, o destino da administração da “coisa pública”, das res-publica como diria Platão, mas que anda na contramão da história, na res-privada, como neste posicionamento eivado de retórica típica do autoritarismo latino ou do coronelismo ainda vigente oriundo dos antigos mandatários.

Esta fala se soma a outras colecionadas nestes seis anos de governo, carregadas de personalismo, egocentrismo, de prepotência, arrogância e despreparo para administrar o que é de “interesse público”, portanto, de todos.

Um governo que se caracteriza por não ver, por não saber quem mandou escutar e, agora não “sente” a fumaça do tabaco, certamente não irá considerar os prejuízos para a saúde pública, pois, radicalizou em um projeto de defesa dos interesses econômicos das grandes corporações e, a indústria do tabaco não foge à regra.

Será preciso ressuscitar a famosa ópera-rock do “The Who” - Tommy - com o ouça-me, toque-me, sinta-me, para que o presidente que se orgulha de suas origens, reconheça (ou seja, assessorado a tal) que o tabaco está matando exatamente aqueles mais desprovidos de recursos?

Aqueles que ele imagina estar defendendo os direitos?

São milhares deles corintianos - como o presidente - flamenguistas, atleticanos, gremistas etc. e fumam.

E, em fumando, tornam vítimas seus filhos, seu cônjuge, seus colegas de trabalho.

Se a lógica do presidente - na minha sala sou eu que mando - for assimilada pelos fumantes (felizmente uma grande parte hoje está mais consciente dos danos do tabaco), ele estará dando um cheque em branco para que qualquer cidadão, independentemente do posto que ocupe, possa argumentar que afinal “se o próprio presidente se arroga o direito de fumar sua cigarrilha em seu local de trabalho”, como serei impedido de fazê-lo?

Assim, uma vez mais, para manter o seu vício, um governante atropela a ciência, rasga a Convenção Quadro de Controle do Tabaco que o Congresso a duras penas ratificou e ele próprio assinou; o desejo de ampla maioria (88% da população é a favor do banimento do tabaco nos ambientes fechados) dos eleitores; joga a culpa no indivíduo “só fuma quem é viciado”, e defende “o fumo em qualquer lugar”.

Além de suas próprias e malfadadas convicções, certamente interesses econômicos poderosos estarão por trás de sua postura - um retrocesso na história de lutas da sociedade e do estado brasileiro contra o tabaco, e uma nódoa em sua biografia tão enaltecida.

Cadê a defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores, dos excluídos, dos oprimidos, dos doentes e incapacitados?

Como pode um presidente com a assessoria de pessoas do quilate do Ministro da Saúde ainda ignorar (será que não está vendo de novo) que morrem 24 pessoas pelo tabagismo ativo no país a cada hora e que outras seis sucumbam pelo tabagismo passivo - seja na sala do presidente, na repartição pública ou privada, na casa do cidadão.

A loquacidade das palavras e a retórica do discurso não escondem mais do que a opção pelo econômico em detrimento do social.

Esta trágica mudança entre o que se prometia e o que se faz com a “coisa de interesse público”.

O presidente - de todos os brasileiros, da minoria de fumantes ativos como ele e para a maioria de fumantes passivos - precisa de tratamento do tabagismo.

Fumar não combina com a postura de estadista que é modelo de comportamento - urge, oferecer apoio para que possa sair deste estágio pré-contemplativo e motivar-se a dar, pelo menos, um exemplo, especialmente para as pessoas mais humildes que representam o grande universo de fumantes em países como o nosso, a partir de seu gabinete para que não se fume próximo a outras pessoas. À postura de contramão do presidente, em sentido diametralmente oposto, vem um posicionamento firme e responsável do governador de São Paulo, José Serra, de proibir o fumo em qualquer ambiente fechado, público ou privado.

Em se tratando da analogia com o meio futebolístico, o presidente literalmente pisou na bola e fez um gol contra.

Mas como o jogo está em andamento, ainda há tempo para recuperar e mudar de estratégia, francamente se continuar jogando assim, na retranca, irá levar outros gols, do infarto, do derrame, do câncer de pulmão, do enfisema, das aposentadorias e pensões precoces.

Haja pré-sal para dar conta de tanto rombo na “defesa tão vulnerável do time da saúde”, que de tanto ser vazado, acabará se transformando no “time da doença”.

Talvez, em linguagem futebolística, alguém comprometido com o destino da saúde de milhões de brasileiros, possa ter uma conversa franca, amistosa, empática e acolhedora com o “paciente presidente” para que ele faça um gesto nobre - ainda que siga fumando - e admita que fumar não é bom para ele, para sua esposa, sua secretária e assessores e que este gesto de humildade “nunca antes visto na história deste país” possa ser multiplicado em todos os gabinetes dos três poderes da república, em todos os restaurantes e hotéis, em todas as escolas e hospitais, em todas as empresas públicas e privadas, em todas as casas.

Quem sabe faz a hora, não espera acontecer (G.

Vandré).

Contra o fumo em todos os gabinetes, fumar faz mal ao presidente e a você que respira a fumaça em qualquer ambiente fechado.

Médico Pneumologista, Sanitarista e do Trabalho da Aliança de Controle do Tabagismo, Diretor do Núcleo de Estudos e Tratamento do Tabagismo - UFRJ