Por Vandson Holanda * A maior parte dos países do mundo está buscando novos modelos de gestão para tornar mais eficientes e sustentáveis seus sistemas de saúde.
Só para ficar em dois exemplos podemos citar a França que, desde 1991, os hospitais públicos passaram a ser administrados por empresas estatais sociais de saúde, com autonomia e profissionalização para cumprir metas e resultados definidos.
O outro exemplo é o Chile, que a partir de 2004, teve introduzida a auto-gestão dos hospitais públicos para que os mesmos tenham autonomia suficiente para serem minimamente eficientes; O envelhecimento da população (em qualquer parte do mundo) faz com que as soluções para os sistemas de saúde pública dos países tenham que ser (re)pensados periodicamente.
No Brasil os indicadores de saúde têm o agravante da violência urbana e rural que mata e/ou deixa com seqüelas centenas de milhares de pessoas sem um sistema eficiente que lhes dê cobertura.
Um modelo de gestão eficiente de hospitais com foco na maioria da população é sabidamente oposto ao modelo atual de administração dos hospitais públicos do Brasil nascido há mais de 40 anos, ainda no período da ditadura militar.
Excesso de centralização e rigidez em gestão é o mesmo que incompetência ou ineficiência sendo já consenso entre os autores de administração de que a flexibilidade é uma das competências mais exigidas no mundo atual para as pessoas e para as organizações.
Os avanços tecnológicos não dão a impressão de que o tempo hoje passa com uma rapidez vertiginosa.
Isso nos força a ter uma certa agilidade na tomada de decisões e nas reações às circunstâncias que nos cercam.
O que caracteriza o cargo de gestor é o compromisso que ele tem para tomar decisões em situações de incertezas ou não programadas.
A “boa” decisão, tomada no momento certo, tem mais valor do que a decisão brilhante, mal executada ou executada lentamente.
O Brasil, que tem a descentralização como marca de seu sistema de saúde pública conforme preconiza a Lei do SUS (8.080/1990), tem baixíssima autonomia de gestão.
Os dirigentes não têm poder para tomar decisões porque dependem umbilicalmente do secretário de Saúde, do secretário de Administração de Pessoas, da Secretaria da Fazenda, do Ministério da Saúde … e de um orçamento engessado que mesmo quando é adequado não está disponível com fluxo contábil regular.
Soluções criativas e inovadoras de gestão não cabem no modelo atual, que é antagônico ao princípio de descentralização do SUS.
Vale salientar que o modelo cartorário de gestão atual dos hospitais públicos é altamente prejudicial não só aos usuários, mas, principalmente, aos funcionários vinculados a estas unidades.
Os profissionais da saúde sabem que no atual sistema não existe espaço para valorização de bons profissionais ou para implementação de gestão por competências no serviço de saúde pública.
Ao passo que funcionários não compromissados com o serviço podem se apadrinhar politicamente e perpetuar-se em funções pelo clientelismo existente nas instituições públicas de saúde atuais.
No vácuo gerencial destes 18 anos de SUS, surgiram várias formas precarizadoras das relações de trabalho para os profissionais de saúde como as famosas fundações de apoio, as OS e as OSCIPs que culminou na situação vexatória do sistema que deveria ser exemplo no mundo pela sua universalidade.
No que tange a gestão de pessoas, especialmente na área de saúde, deve ser considerada a complexidade do serviço e as adversidades inerentes ao ambiente hospitalar.
A falta de profissionalização e de condições extrínsecas de motivação são altamente prejudiciais ao clima de trabalho nas organizações públicas de saúde.
Nos serviços hospitalares do Brasil não raro ver situações de injustiça no trato com o alto desempenho de uns e a falta de comprometimento de outros desembocando em baixa satisfação do funcionalismo.
Como mudar esta realidade e defender a continuidade do modelo de gestão atual altamente centralizador e inflexível no que tange a gestão moderna de pessoas?
No modelo de gestão atual a co-gestão dos hospitais, através do controle social, é muitas vezes vista como instrumento burocrático sem legitimidade popular.
Por isso a necessidade de se criar condições para ampliar a participação da população usuária do SUS nos conselhos de saúde criando, com as fundações públicas, instrumentos de governança, transparência e accoutability.
O termo “governança” surge na gestão pública a partir de reflexões tendo em vista aprofundar o conhecimento das condições que garantem um Estado eficiente.
Tal preocupação deslocou o foco da atenção das implicações estritamente econômicas da ação estatal para uma visão mais abrangente, envolvendo as dimensões sociais e políticas da gestão pública.
A capacidade governativa não seria avaliada apenas pelos resultados das políticas governamentais, e sim também pela forma pela qual o governo exerce o seu poder.
A idéia de que uma “boa” governança é um requisito fundamental para um desenvolvimento sustentado, que incorpora ao crescimento econômico equidade social e também direitos humanos está intrinsecamente ligado às preocupações modernas (no mundo) com modelos eficientes de gestão para serviços essenciais como a saúde.
Já a expressão accountability significa (num apanhado de vários autores) obrigação de prestar contas dos resultados conseguidos em função da posição que o indivíduo assume e do poder que detêm.
A obrigação de executar algo decorre da autoridade delegada e só quita com a prestação de contas dos resultados alcançados e mensurados.
Na prática, accountability se traduz como um sistema de controles internos ao Estado, externos ao governo (Tribunal de contas, por exemplo) e num sistema de fiscalização e controle da sociedade em relação ao Estado e aos governantes.
No modelo atual de gestão dos hospitais não existe espaço para governança pública ou accountability porque a anacronia da gestão sanitária de hoje foi idealizada para a realidade epidemiológica e demográfica do período do Estado Novo de Vargas.
Isto é fato!
Os indicadores epidemiológicos mudaram e os demográficos também porque, simplesmente, a sociedade não é a mesma.
Insistir num modelo de gestão excessivamente centralizador é um equívoco.
Por fim também deve ser (re)discutida e melhorada a função das instituições públicas de saúde no que tange a pesquisa, extensão e residência profissional.
Não dá para entender profissionais serem formados com o dinheiro do povo e não terem uma contrapartida social para o investimento público que lhes é garantido na forma da educação superior (graduação e todas as modalidades de pós-graduação).
No modelo das fundações estatais, com governança e accountability, poderemos ver essa cobrança às universidades e faculdades de saúde ser mais efetiva e eficaz.
Não é à toa que especialistas em gestão de saúde afirmam que fundações estatais de direito privado não tem nada de privatização e terão mais participação da comunidade usuária!
Vandson Holanda é bacharel em Biomedicina pela UFPE Pós-graduando em Gestão para Desenvolvimento Sustentável pela UnB/UFBA.
Coordena da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Olinda e Recife E-mail: vandsonholanda@uol.com.br