Por Roberto Numeriano Senhoras e senhores, Boa Noite.
Antes de tudo, meus agradecimentos aos paroquianos de Casa Forte, e em especial à senhora Renê Patriota, pelo honroso convite para palestrar sobre “A Ação do Cristão na Política”. À primeira vista, o convite a um militante político de Partido Comunista poderia parecer incoerente.
Afinal, dentro de uma concepção científica, a visão comunista da realidade sensível e a visão cristã sobre os seres e as coisas não são convergentes.
Infelizmente, essa divergência de concepção derivou para o campo da teoria e ação política, e foi a pedra de toque da propaganda política do ocidente, durante o período que se convencionou chamar de Guerra Fria.
Ocorre que, se, em termos de visão sobre a realidade material, o materialismo histórico e dialético divirja da ótica cristã, as diferenças ficam apenas nesse marco, por assim dizer, filosófico.
Porque, de fato, no que concerne a uma visão ética e solidária do ser humano, o cristianismo e o comunismo são convergentes em termos absolutos.
Não fosse assim, nenhum desses credos, religioso e político, atrairia milhões de militantes através dos séculos.
Acredito, aliás, que a sobrevivência de ambos ao longo da história só se explica pelo fato de atraírem aquelas pessoas de boa vontade de que fala a Bíblia.
Uma idéia fundamental comunista é a transformação da sociedade para e pelo chamado “homem novo”.
O meio, para tanto, seria através de um processo de “evangelização” política.
Já a idéia fundamental cristã, expressa sobretudo pelas bem-aventuranças, é transformar essa mesma vida, que deverá habitar um mundo novo.
O meio, neste caso, seria através de um processo de conversão pela evangelização da alma, trazendo para ela a boa nova.
São muitos os aspectos nos quais convergem a fé religiosa cristã e a fé política comunista.
Vamos nos limitar, aqui, àqueles que tratam da ação prática e moral, que é o tema desta palestra, colocado numa perspectiva mais ampla.
O comunista que pratica, em sua ação política, a doutrina cristã relativamente aos preceitos de zelo pelo bem comum, em nada difere do cristão.
Em outras palavras, queremos dizer que, muito além dos rótulos, o que temos na prática são pessoas concretas, as quais são ou não são honestas, empenhadas, éticas e solidárias para o exercício do bom governo.
Assim afirmamos porque sabemos como podem divergir a palavra e a ação dos homens.
Como uma pode negar a outra, como tem sido comum no Brasil, e daí o desencanto, para a maioria dos brasileiros, com os políticos e a política.
Ora, qual deve ser o fundamento da ação cristã na política?
Em primeiro lugar, o compromisso prioritário com os excluídos social, cultural e politicamente.
Mas não tratamos aqui daquele compromisso reativo, daquela visão paternalista e paliativa sobre as centenas de milhares de pobres e miseráveis que habitam um dos guetos do Recife.
Esse cristianismo de quermesse é tão antigo como as mesmas mazelas que quer combater.
O compromisso que postulamos é o da ação transformadora desses seres humanos, na mesma perspectiva evangelizadora do Novo Testamento.
E transformação que atue sobre sua condição material (situação social), cultural (aspectos educacionais) e política (exercício da cidadania).
Nestes termos, somos céticos quanto aos políticos e à política que, por exemplo, limita-se ao assistencialismo.
Em muitos casos, embora mate a fome momentânea, bolsas de alimentos viciam e alienam o homem de si mesmo.
Trata-se de uma troca perversa: de um lado, um homem excluído pelo desemprego, sorri: do outro, o Estado lava as mãos e espera o seu voto na aproxima eleição.
O assistencialismo não resgata a cidadania, ele afirma e perpetua a inexistência da cidadania.
O cristão também deve postular uma ação transformadora na educação.
Se ele próprio anuncia a boa nova do verbo que busca converter a alma para Deus, esse mesmo cristão não pode entender a educação como sistema alienante.
Daí ser necessário priorizar o ensino de qualidade, universal e gratuito para resgatar o homem da miséria da ignorância.
O cristão deve observar quem, na esfera política, comporta-se como um mercador de mitos e não questiona práticas e comportamentos deletérios para a cidadania.
Hoje, é comum o político mudar de partido como quem muda de carro.
Submete-se ao poder do dinheiro nas campanhas, forma alianças com os outrora inimigos ferrenhos, assume um governo e passa a praticar o oposto do que pregava.
Seríamos loucos ou a política é, em si, louca?
Senhoras e senhores, são muitos os exemplos.
Vejam que poderíamos colocar nos parágrafos precedentes, no lugar da palavra cristão, o vocábulo comunista, e o resultado seria o mesmo.
Mas como evitar o mau político que gera a má política?
Em primeiro lugar, observando suas ações concretas. É necessário, pois, acompanhar e pesar o discurso e a prática, para depois julgar.
Ao mesmo tempo, é preciso saber que nem todos os políticos podem praticar o que pregam, dado que alguns de seus compromissos vão colocá-los entre interesses divergentes.
Por fim , o cristão deve ser sobretudo ético como cidadão.
Se cobramos honestidade dos políticos, não podemos ser desonestos como cidadãos.
Nossa política está enferma, mas apenas nós somos os médicos dessa doença.
Em outubro, teremos mais uma chance de ministrar doses novas do nosso remédio.
Como cientista político, cidadão recifense e membro do PCB, acreditamos na política como arte, ciência e espaço de convergência de idéias para o bem comum, na busca da transformação da sociedade.
Acreditamos, em outras palavras, na boa nova do evangelho e no homem novo comunista.
Obrigado.
PS: Palestra proferida na Casa Paroquial de Casa Forte, no dia 7 de agosto de 2008.
PS2: Numeriano é candidato a prefeito no Recife pelo PCB e escreve no Blog aos sábados, na série recife 2008