Por Isaltino Nascimento “Eita negro! quem foi que disse que a gente não é gente? quem foi esse demente, se tem olhos não vê…” O verso acima, do poema Cantares ao meu povo, foi escrito por Solano Trindade, recifense, negro, poeta, que se vivo fosse, teria completado 100 anos no último dia 24 de julho.
Pouco conhecido dos pernambucanos, Solano Trindade, foi o primeiro a escrever, com especificidade, para a coletividade negra brasileira, a partir dos anos 30.
Também foi pintor, teatrólogo, ator e folclorista.
Um homem de sensibilidade marcante, que fez diferença em família, na sociedade e nas artes.
Que o diga a filha dele, Raquel Trindade, que semana passada escreveu um belíssimo texto, no qual diz que toda criança gostaria de ter um pai como foi o dela.
Não sem razão.
Além de um pai amoroso, Solano Trindade conversava muito com a filha, com quem tratava sobre os problemas raciais, falava da má divisão de renda, pregava o respeito que se deve ter diante das diferenças, contava a história da África e, principalmente, ensinava a orgulhar-se pelo fato de ser negra.
Foi com base nisso que Raquel expressou com ternura o sentimento de filha de um homem que fez diferença na cultura brasileira e tem lugar de destaque entre os poetas da resistência negra, agradecendo por ter-lhe ensinado tantos valores.
Pela história que construiu faço questão de propagar informações sobre a “militância” de Solano Trindade, iniciada a partir da década de 30, quando começa a compor poemas afro-brasileiros.
Daí em diante sua atividade não pára.
Participa do I e do II Congresso Afro-Brasileiro, no Recife, e em Salvador, e, em 1936, funda a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro, com o objetivo de divulgar a produção intelectual dos artistas negros.
Sua militância poética seguiu por onde passou: Belo Horizonte (MG), Pelotas (RGS), Rio de Janeiro – onde no Café Vermelhinho fez sucesso entre a intelectualidade da época – e Embu (SP), cidade onde cria um pólo de cultura e tradições africanas, em 1954.
Antes disso, em 1944, edita o livro Poemas de uma vida Simples, no qual se encontra “Trem sujo da Leopoldina”, um dos seus textos mais famosos.
A produção cultural em São Paulo segue com a fundação do Teatro Popular Brasileiro (TPB), no qual se volta para o folclore com base na denúncia do racismo.
O grupo faz, em 1955, incursões à Europa, com espetáculos de canto e dança.
Logo depois ele edita Seis tempos de Poesia (1958) e Cantares ao meu povo (1961).
Solano Trindade faleceu no Rio de Janeiro, em 19 de fevereiro de 1974, mas sua obra deixou marcas difíceis de serem apagadas.
Fatos que devem ser lembrados não apenas por aqueles que militam contra o racismo, mas por todos que anseiam por um mundo sem diferenças.
PS: Isaltino Nascimento, deputado estadual pelo PT e líder do governo na Assembléia Legislativa, escreve para o Blog todas às terças-feiras.