Por Gustavo Krause Encrencas e polêmicas têm ocupado o cotidiano do brasileiro. É um prende-e-solta danado; lei seca versus língua molhada; ficha suja, ficha limpa e o eleitor no meio do tiroteio sem saber se vai votar em quem tem biografia ou prontuário.
Haja editoriais, entrevistas, artigos, opiniões de mesa de botequins aos mais intelectualizados fóruns.
E, nós, cidadãos comuns, atordoados no meio de tanta sapiência.
Nestas horas, recorro ao meu oráculo.
Trata-se de um ancião que já ultrapassou a barreira dos noventa.
Hígido e lúcido, vai comemorar fácil a marca centenária.
Trata-se do velho Abdias, uma das melhores amizades herdadas do vasto patrimônio afetivo do meu pai.
Abdias não tem verões de escola.
Filho dos cafundós, libertou-se da ignorância com a força do autodidata.
Aprendia o que queria com a inteligência prodigiosa que Deus lhe deu.
Tornou-se rábula e assim ganhou o mundo e a vida pelo interior de Pernambuco.
Desde menino, lia tudo que lhe chegava às mãos.
Interessou-se pelos clássicos da literatura universal, filosofia e história; aprendeu a tocar violão, um passaporte para boemia que jamais largou graças à compreensão de dona Nazinha com quem vai completar 75 anos de “veneração e prazer”.
Na mocidade flertou com as idéias de Prestes, “o cavaleiro da esperança”; depois, mais maduro, tinha simpatias pelo PSD, sem os arroubos da militância.
Está ligado em tudo.
Refugiou-se em Aldeia para sentir o cheiro da terra.
Navega que nem uma criança pela internet: é um cybercidadão.
Trabalhou o suficiente para ter uma velhice longa e tranqüila.
Conhece gente através do olhar terno e penetrante; pensa e pensa bem, particularmente, sobre o Brasil desde a nação pachorrenta dos tempos dos carros-de-boi à nação apressada dos aviões a jato. É um sábio.
Pois bem, peguei o telefone e dei uma de repórter para saber o que o mestre (é assim que o chamo) Abdias pensa sobre os últimos fatos.
Fiz com ele uma entrevista do tipo pingue-pongue: - Mestre, quem tem razão: o juiz Martin de Sanctis ou o ministro Gilmar Mendes? - Os dois, meu filho: um, porque prendeu quem já devia estar preso; o outro, porque soltou quem não podia permanecer preso. - Então a quem falta razão? - Ao espetáculo policial que facilita a defesa e à lentidão judicial que cria a impunidade. - O Sr. acha que prender delinqüente é “espetáculo”? - A vida moderna, meu filho, virou um grande circo com palhaços, equilibristas, malabaristas, muitos bichos e mágicos que transformam conversa fiada em ouro.
O espetáculo entra pela boca aberta e abestalhada do distinto público. - Por falar em bichos, jogaram o Daniel na cova dos leões? - Não.
O Daniel é que vinha jogando leões amestrados na jaula da corrupção. - Saquei: o caminho mais fácil para ser rico no Brasil é fazer mágica e domesticar os bichos que deviam proteger o dinheiro do povo e punir os delinqüentes. - Não só. É preciso ser amigo do Rei e amigo dos amigos do Rei. - Mas tem quem segure a barra.
O que acha do Protógenes? - Ao pé da letra, é uma espécie de solvente que tem caráter ácido, respondeu Abdias com indisfarçável ponta de ironia. - Não, mestre, refiro-me ao delegado Protógenes Queiroz que comandou a operação Satyagraha, produziu um relatório de 245 páginas, recheado erudição rasteira e agressões ao vernáculo, no qual assume o personagem do “bem” na luta contra o mal. - A peça policial - acrescentou sem se desviar do tom irônico - tem dois efeitos possíveis: credenciar o delegado para a disputa de uma cadeira na Academia Brasileira de Letras e facilitar a vida dos advogados de defesa para inocentar os acusados. - Mestre, me perdoe, mas nunca antes na história deste país os escândalos foram tão escancarados e corrupção foi tão combatida.
O senhor continua pessimista? - É muito efeito especial e poucos feitos reais.
O interesse pelo escândalo novo envelhece escândalos que, rapidamente, caem no esquecimento.
Os artistas do circo continuam flanando e, impunes, zombam da justiça.
E atenção: tá faltando pegar mais gente… - Mesmo com todas as falhas, a sociedade não sai ganhando? - A sociedade, não sei.
Os advogados famosos, com toda certeza. - Mestre, para finalizar, o que é pior: um político populista ou um magistrado populista? - O político populista cega o povo; o magistrado populista tira a venda dos olhos da justiça; um povo cego é vítima do mal; a Justiça caolha é o próprio mal. - Mestre, obrigado e um beijo em D.
Nazinha.
A sabedoria popular tem razão: “O diabo é sabido não é porque é diabo; é porque é velho”.