Por Edilson Silva* “Não somos pobres.
Somos roubados.” Concordo plenamente com esta afirmação, mas ela não é minha.
Está inscrita numa das janelas de uma palafita na comunidade do Bode, no Pina, bairro da zona sul do Recife.
O barraco abriga a Biblioteca Guardiões, mais uma iniciativa de moradores das periferias da cidade para constituir uma biblioteca popular para a sua comunidade.
Os volumes são pouquíssimos, poucas estantes, são quase nada.
Mas como cantava Luiz Gonzaga: “(…) *é muito pouco, é quase nada, mas não tem outra mais bonita no lugar *(…)”.
Impossível não se emocionar com a bravura e a lucidez das pessoas que estão a frente desta iniciativa.
Como conter as lágrimas que migram avassaladoramente para os olhos ao vermos uma criança que recém aprendeu a ler entregar um livro, “O Ursinho Pooh”, que pegou emprestado e que já leu integralmente?
Esta criança mora na comunidade do Bode, área discriminada, desrespeitada, abandonada pelo poder público.
Há poucos dias estive presente na comemoração de um ano de funcionamento da Biblioteca Popular do Coque.
Jovens da comunidade, pobres e negros, que fazem uma resistência heróica contra a força gravitacional do Estado e da sociedade contra a comunidade, exibiam orgulhosos (e com toda a razão!) uma obra concreta de resistência e humanização da comunidade.
As periferias do Recife são capazes destes gestos.
Estas bibliotecas, a exemplo de incontáveis outras ações, como do Caranguejo Uça, na comunidade da Ilha de Deus, são atestados vivos de luta em defesa da cultura como trincheira contra a degradação social que nos vitima, sejamos pobres, miseráveis, ou integrantes das classes médias.
Infelizmente, cerca de 70% das escolas municipais do Recife não possuem bibliotecas, segundo dados do Dossiê da Educação no Recife, publicado pelo Sindicato dos Professores do Recife - SIMPERE.
Este quadro já seria inadmissível se a Prefeitura declarasse falta de recursos, mas não é o que a realidade nos mostra.
Será que com os R$ 3 milhões doados à Escola de Samba Mangueira, do Rio de Janeiro, não poderíamos ter alterado este quadro?
E com os R$ 500 mil pagos a Fat Boy Slim para fazer um show na cidade, será que não poderíamos fortalecer as iniciativas populares na formação de novas bibliotecas?
E com os R$ 30 milhões do Parque Dona Lindu?
E com os R$ 20 milhões da FINATEC?
E com os R$ 20 milhões do calçadão da praia de Boa Viagem?
Entendemos que a elevação do nível cultural de nossa população é fator indispensável para a formação de uma sociedade livre, democrática, progressista, humanista e de construção de uma nação soberana, apta a abraçar o futuro com paixão e responsabilidade.
Assumimos o compromisso com nossa população de lutar para fazer de nossa cidade um pólo literário.
Vamos, juntos com a sociedade literária recifense, dos mais marginais aos mais “eruditos”, construir o projeto “Recife, cidade literária”.
Neste projeto, a prefeitura deverá incentivar a leitura, espalhando bibliotecas por todos os becos da cidade, bibliotecas exclusivamente públicas ou em parceria com as comunidades e com setores privados.
Buscaremos, numa segunda etapa deste projeto, incentivar a produção literária na cidade.
A possibilidade, a partir da intervenção do poder público, do fortalecimento de uma demanda e de um apetite cultural na área literária, deverá ser sucedido por um forte incentivo também à produção literária, pois nossa população certamente não quer só ler, mas quer também se expressar, divulgar suas idéias.
Não podemos descartar a constituição de uma editora pública municipal para contribuir na alavancagem desta segunda fase do projeto.
No próximo dia 14 de julho, estarei na comunidade do Bode, para prestigiar uma festa de comemoração pela existência da Biblioteca Guardiões.
Não vou como candidato, pois seria um charlatanismo de minha parte.
Vou como sempre freqüento as comunidades da periferia, para me alegrar, alimentar meu espírito e minhas convicções com o inequívoco sentimento de que um outro mundo é possível, e que um outro Recife, muito melhor, está ao nosso alcance. *Presidente do PSOL-PE e candidato à prefeitura do Recife, escreve para o Blog às sextas, dentro da série “Recife 2008.
Debate com os prefeituráveis”.