A lei da mordaça Editorial do Jornal do Commercio A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal aprovou projeto do deputado Paulo Maluf que propõe a punição de procuradores e promotores de Justiça que entrarem com ação por improbidade administrativa, ação popular ou ação civil pública e o juiz considerar que houve má-fé, perseguição política ou interesse de promoção pessoal.
Essa uma é das faces da chamada “lei da mordaça”, pela qual se poderá calar o Ministério Público.
Por curiosa coincidência, no mesmo momento começava a tramitar na Câmara projeto estabelecendo auxílio-funerário para os parlamentares, engrossando o rol dos benefícios aos nossos legisladores.
Se o auxílio-funeral pode passar através de lei ordinária, o projeto de Paulo Maluf parece ter pela frente obstáculo de difícil transposição: a Constituição Federal.
O dever do Ministério Público está contido no art. 127: “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Para defender a ordem jurídica, o representante do Ministério Público é obrigado a ir de encontro a todo e qualquer tipo de agressão ao ordenamento.
Por exemplo, impedir que dirigentes públicos usem o dinheiro do povo como se privado fosse.
Na hora em que se defronta com uma representação, já não se trata de exercício da competência, mas do dever constitucional.
Ele tem que agir, não importa a autoridade do agente da agressão ao patrimônio público.
O costume, por muito tempo, parecia imunizar uma casta que se julgava acima de qualquer suspeita por ter recebido um mandato popular.
A lei diz que não é assim, e cabe ao membro do Ministério Público fazer com que ela tenha efetividade.
Esse é o núcleo do conflito que alguns políticos vêem na instituição, daí a vontade de garroteá-la, o que exigirá um procedimento muito mais difícil que a aprovação de lei ordinária.
Fica, assim, a esperança de que a atual tentativa de se criar uma mordaça não passe do pequeno colegiado da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Até porque, quando chegar ao plenário, a questão ocupará o espaço em que a sociedade poderá fazer ouvir seu clamor.
Se não toda a sociedade, pelo menos aqueles segmentos mais organizados, que estão sempre advertidos para as tramóias em nome do interesse público. É inaceitável silenciar, ou tentar silenciar, uma entidade que trouxe, a partir da Constituição de 1988, mais luz, clareza e, sobretudo, crença na capacidade de criarmos uma nação infensa a todo tipo de malandragem dos poderosos porque acima deles está a lei e um Ministério Público obrigado a fazer com que ela seja cumprida ou respeitada.
A forma como está sendo proposta a “lei da mordaça” é um primor em matéria de subjetivismo.
Fala em má-fé e fica difícil imaginar que critérios objetivos se poderá estabelecer para avaliar se houve, ou não, má-fé numa denúncia de improbidade administrativa.
Diz, também, a tal lei, que será punido o membro do Ministério Público que agir por perseguição política.
Não há notícia de um político envolvido em questões legais que lhes tragam o risco de punição que não fale em perseguição política, o que se tornaria um território de ilimitada interpretação em que o procurador ou promotor de Justiça não poderia atuar, ferindo de morte a Constituição.
O pior é falar em “interesse de promoção pessoal do membro do Ministério Público”, um exagero de subjetividade.
Parece-nos que o entendimento deve ser bem mais simples.
Se, de acordo com a Constituição, o presidente da República tem que responder rigorosamente à lei, que estabelece os limites de sua competência, como o faz com a competência de todos os demais agentes públicos - de promotor de Justiça a ministro do Supremo Tribunal Federal -, por que também os políticos não se valerem dos recursos que a lei proporciona para tirar suas diferenças com outros Poderes?
Não tiraram do poder, recentemente, um presidente da República?
Que lhes falta para, com a legislação disponível, cobrar limites ao Ministério Público?