Do G1 As mazelas dos políticos que conduzem seus mandatos escorados em acordos de corrupção chegaram a Mirandiba, uma cidadezinha do sertão de Pernambuco com apenas 13 mil habitantes.

A denúncia foi revelada neste domingo em reportagem do “Fantástico”.

Na cidade, que fica perto da Serra do Xique-Xique, a mais de 400 quilômetros do Recife, os moradores sofrem com a falta de água e sem saneamento básico. “A água não presta para cozinhar, nem para tomar.

Só para limpeza. É fedorenta, sebosa mesmo”, conta uma cozinheira, reproduzindo o assunto mais comentado nas conversas de rua.

A água que abastece Mirandiba vem de um açude. É tão suja que os moradores têm um apelido para ela: “Café com leite, essa água”, dizem.

Não são poucas as acusações contra os políticos que mandam e desmandam na cidade.

As denúncias revelam que eles chegam a registrar em cartório acordos para garantir benefícios extras subtraídos dos cofres públicos.

Outra deficiência na cidade é o transporte escolar.

As crianças vão para a escola do jeito que dá: de carona no pau-de-arara. “A viagem lá é meio perigosa.

A gente tem que ir para lá, para cá, para lá, para cá”, conta Anderson Santos Silva, de 12 anos.

Com a falta de água, os alunos também ficam sem merenda escolar.

Frente popular Outro assunto dominante nas rodas de conversa é a frente popular de Mirandiba.

Esse é o nome do grupo de oposição formado por cinco vereadores, cada um com seu apelido curioso: José Guerra Filho, o Zé Magro; Cícero Manuel da Silva, o Cícero Cirilo; Osvaldo Carvalho, o Doga; Ancelmo Rodrigues do Nascimento, mais conhecido por “a base”; e Maria das Dores Xavier de Sá, a Dora Xavier.

Os cinco vereadores fecharam um acordo no fim de 2004, em um documento particular com assinaturas reconhecidas em cartório.

Nele os cinco se comprometem a eleger Dora Xavier para a presidência nos anos de 2005 e 2006, e depois escolher Cícero Cirilo como sucessor.

E também fazem o seguinte acerto: no item dois, a vereadora, uma vez eleita, se compromete a dividir a gratificação de presidente entre os cinco. “Isso é normal”, diz vereador Dissimulados, alguns confirmam, outros, admitem e ainda justificam dizendo “que isso é normal”. “O acordo que for bem-feito, legalizado, sem falcatrua.

Entendeu, cidadão?”, responde, um dos vereadores.

Pela lei, um acordo desse tipo constitui fraude.

Mas o grupo dos cinco nega ter acertado a divisão do dinheiro extra que cabe à presidência.

Eles dizem que o documento que vazou na cidade é falso. “Um documento forjado, certo?

Pegaram as nossas assinaturas e fizeram uma montagem muito grosseira de forma muito grosseira, que não condiz com a verdade, porque nós temos aqui,nós cinco que sabemos do acordo”, afirma Dora Xavier.

Eles apresentaram à reportagem do “Fantástico” outro papel.

Nele, o tal item dois diz que “a vereadora, uma vez eleita, se compromete a contratar técnicos para a Câmara mediante critérios de experiência e competência.” Só que tanto na versão apresentada pelos vereadores quanto na que circula em Mirandiba, aparece um texto que fala em divisão de verbas.

O item seis determina que se um dia o Tribunal de Contas vier a obrigar os vereadores a devolver valores recebidos a mais, a dita devolução será igualmente rateada entre os signatários do acordo.

Ou seja, o presidente da Câmara não teria que devolver o dinheiro sozinho.

Fraude “Não foi nem iniciativa minha de fazer esse documento”, defende-se o vereador Doga. “Nem minha”, repete Dora.

Cabe agora ao Ministério Público apurar a suposta fraude.

Se ficar comprovada improbidade administrativa, os vereadores podem ser obrigados a devolver os valores recebidos, com multa de até 300 vezes a quantia.

E ainda podem ser proibidos de ocupar cargos públicos por cinco anos e perder os direitos políticos por oito anos.

Enquanto isso, quem está de olho em Mirandiba é a controladoria-geral da União.

O município foi escolhido por sorteio para ser alvo de investigação do uso de verbas federais.

Os fiscais da controladoria encontraram irregularidades em 34 repasses de verbas, valores que passam de R$ 6,5 milhões.

Um aparelho para endoscopia que custou mais do dobro do valor de mercado está até hoje na embalagem, no posto de saúde de Mirandiba.

O prefeito, adversário político do grupo dos cinco, diz que apenas deu continuidade a licitações feitas por administrações anteriores. “Quando eu reassumi, no começo de 2005, já estava todo esse processo.

Eu só fui apenas receber o aparelho e pagar”,afirma o prefeito João Batista da Silva.

De todo o dinheiro repassado pelo governo federal, pelo menos R$ 375 mil eram destinados exclusivamente à perfuração de poços e construção de cisternas, para dar uma água melhor aos habitantes de Mirandiba.