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Do Fantástico Os poetas da região dizem que Mirandiba é uma cidade pequena de céu grande.
Ela fica no sertão de Pernambuco, perto da Serra do Xique-Xique, a mais de 400 quilômetros do Recife.
Os assuntos nas conversas de rua não são muitos, mas o principal deles é a água.
A água não presta para cozinhar, nem para tomar.
Só para limpeza. É fedorenta, sebosa mesmo", denuncia a cozinheira Gisélia Santos.
A água que abastece Mirandiba vem de um açude. É tão suja que os moradores têm um apelido para ela. “Café com leite, essa água”.
As crianças vão para a escola do jeito que dá, de carona no pau-de-arara. “A viagem lá é meio perigosa.
A gente tem que ir para lá, para cá, para lá, para cá”, conta Anderson Santos Silva, 12 anos.
E quando chegam, aprendem que no lugar não se fala em outra coisa: “A merenda escolar.
Temos ela.
Aqui tem dois bodes, mas água não tem para cozinhar”, conta Maria do Socorro Xavier, diretora. “A água a gente manda que as crianças levem, as vasilhinhas, para eles”, diz a diretora.
Outro assunto que domina as rodas de conversa é a Frente Popular de Mirandiba. É o nome dado ao grupo de oposição formado por cinco vereadores: - José Guerra Filho, popular “Zé Magro”. - Cícero Manuel da Silva, “Cicero Cirilo”. - Osvaldo Carvalho, popular “Doga.” - Ancelmo Rodrigues do Nascimento, conhecido por “A base”. - Maria das Dores Xavier de Sá, “Dora Xavier.” Os cinco vereadores fecharam um acordo no fim de 2004, em um documento particular com assinaturas reconhecidas em cartório.
Nele os cinco se comprometem a eleger Dôra Xavier para a presidência nos anos de 2005 e 2006, e depois escolher Cícero Cirilo como sucessor.
E também fazem o seguinte acerto: no item dois, a vereadora, uma vez eleita, se compromete a dividir a gratificação de presidente entre os cinco.
Perguntamos aos vereadores se eles realmente fizeram um acordo: Vocês fecharam entre vocês? “A gente fez esse acordo.
A gente fez esse acordo, certo.
Isso é relativo. É relativo.
Eu votei, eles votaram comigo, para “mim” devolver meu voto pros quatro dois ano após”, explica a vereadora Maria das Dores Xavier de Sá. “Normal.
Em toda Câmara isso é relativo, isso é normal.Fazer acordo.
Isso é de praxe.
O acordo que for bem-feito, legalizado, sem falcatrua.
Entendeu, cidadão?”, diz o vereador Ancelmo do Nascimento.
Pela lei, um acordo desse tipo constitui fraude.
Mas o grupo dos cinco nega ter acertado a divisão do dinheiro extra que cabe à presidência.
Eles dizem que o documento que vazou na cidade é falso. “Um documento forjado, certo?
Pegaram as nossas assinaturas e fizeram uma montagem muito grosseira de forma muito grosseira, que não condiz com a verdade, porque nos temos aqui nós cinco que sabe do acordo”, diz Maria das Dores Xavier de Sá.
Eles apresentaram à reportagem do Fantástico outro papel.
Nele, o tal item dois diz que “a vereadora, uma vez eleita, se compromete a contratar técnicos para a Câmara mediante critérios de experiência e competência.” Só que tanto na versão apresentada pelos vereadores quanto na que circula em Mirandiba, aparece um texto que fala em divisão de verbas.
O item seis determina que se um dia o Tribunal de Contas vier a obrigar os vereadores a devolver valores recebidos a mais, a dita devolução será igualmente rateada entre os signatários do acordo.
Ou seja, o presidente da Câmara não teria que devolver o dinheiro sozinho. “Não foi nem iniciativa minha de fazer esse documento.
Não”, diz Osvaldo Carvalho.
Cabe agora ao Ministério Público apurar a suposta fraude.
Se ficar comprovada improbidade administrativa, os vereadores podem ser obrigados a devolver os valores recebidos, com multa de até 300 vezes a quantia.
E ainda podem ser proibidos de ocupar cargos públicos por cinco anos e perder os direitos políticos por oito anos.
Enquanto isso, quem está de olho em Mirandiba é a Controladoria-Geral da União.
O município foi escolhido por sorteio para ser alvo de investigação do uso de verbas federais.
Os fiscais da controladoria encontraram irregularidades em 34 repasses de verbas, valores que passam de R$ 6,5 milhões.
Um aparelho para endoscopia que custou mais do dobro do valor de mercado está até hoje na embalagem, no posto de saúde de Mirandiba.
O prefeito, adversário político do grupo dos cinco, diz que apenas deu continuidade a licitações feitas por administrações anteriores. “Quando eu reassumi, no começo de 2005, já estava todo esse processo.
Eu só fui apenas receber o aparelho e pagar”, afirma o prefeito João Batista da Silva.
De todo o dinheiro repassado pelo governo federal, pelo menos R$ 375 mil eram destinados exclusivamente à perfuração de poços e construção de cisternas, para dar uma água melhor aos habitantes de Mirandiba.