Por Gustavo Krause A ministra Marina Silva teve motivos de sobra para, há mais tempo, deixar o governo. É legítimo supor que não o fez por conta dos sólidos compromissos com a causa ambiental e pela têmpera pessoal de resistir e superar uma vida marcada por enormes dificuldades.

Lula pintou e bordou com ela: contrariou princípios; criticou ações; desautorizou iniciativas; faltou-lhe com o devido respeito em duas ocasiões que foram gotas d\água para fazer esborrar um pote, até aqui, de decepções.

A primeira ocasião foi, em abril de 2007, quando o Presidente, numa de suas freqüentes falas, afirmou que o licenciamento ambiental das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira, estava travado “Por causa do bagre.

Jogaram o bagre no colo do Presidente”.

De fato, não entra em “cabeças de bagre” o significado dos impactos ambientais das referidas usinas sobre o ambiente aquático, sobre a cadeia da biodiversidade e sobre a ameaça de extinção de quatrocentas espécies de peixe, entre eles, o dourado.

Os idiotas da objetividade, que adoram esta falsa polarização entre desenvolvimento e meio ambiente, com a baba bovina escorrendo sobre gravatas importadas, aduladores de plantão, áulicos de sempre, comentaram embevecidos “Que notável capacidade de comunicação!

Que beleza de comparação!

O povo entende.

Este Presidente é um arretado!”.

A segunda ocasião foi marcada pelo constrangimento final: o Presidente entregou a coordenação do Plano Amazônia Sustentável a Mangabeira Unger, isto mesmo, ao cidadão repatriado e recém-convertido à Teoria e Prática do Governo Aloprado.

Mangabeira não tem nada a ver com cupuaçu, açaí, bacuri, tucumã; é arvoreta da família das apocináceas, afeiçoada ao litoral nordestino; só dá mangaba, frutinha estranha ao bioma amazônico.

No discurso da solenidade, Marina passou o recibo: “Fui considerada a ministra dos bagres”; e não engoliu a exoneração de fato e, o que é pior, pública.

Nada estranho a um governo que demite ministro por telefone.

Como Gabeira, Marina sonhou o “sonho errado”; serviu como um selo verde para efeito internacional; depois, tornou-se um estorvo para o espetáculo do crescimento a qualquer preço, inclusive o da degradação ambiental.

Agora, o Presidente, com popularidade em alta e subserviência ajoelhada ao redor, dispensa valores e princípios.

Por outro lado, a saída da ministra expõe o que a experiência tem me ensinado: Primeiro, a questão ambiental é central para a humanidade e periférica para os governos; segundo, o discurso oficial promete o desenvolvimento sustentável, mas a política econômica financia a insustentabilidade; terceiro, o gestor ambiental sofre de solidão política, largado no centro do conflito entre interesses imediatos e específicos e interesses mediatos e difusos.

Sem o mínimo apoio, trava uma luta desigual.

Nos cinco anos e meio de gestão, estes desgastantes conflitos manifestaram-se em várias oportunidades, dentro e fora do governo: nos confrontos com a área de ciência e tecnologia (transgênicos), setor elétrico (inclusive com a Ministra Dilma), com o ministro da agricultura (agronegócio), com os governadores Zeca do PT, Ivo Cassol, Blairo Maggi, especialmente, em dois explosivos assuntos, o desmatamento da Amazônia e o licenciamento ambiental da obras do PAC.

Na questão do desmatamento, alguns desavisados, espertas e cooptadas Organizações Não-governamentais ou, mais adequadamente, Organizações Neo-Governamentais (linhas auxiliares e autênticas unidades orçamentárias do governo em inúmeras áreas do terceiro setor e dos movimentos sociais), contribuíram com um equívoco que custou caro à ministra: atribuíram o crédito da redução dos índices de desmatamento à ação fiscalizadora do governo e à criação de áreas protegidas.

Senhoras e senhores, maior ou menor desmatamento é função do crescimento econômico e, no caso, agravado com o preço nas alturas da carne e da soja.

Estruturalmente, o desmatamento é o efeito perverso de um modelo econômico que dá mais valor à madeira, à terra nua do que à floresta em pé.

Elementar, para compreender, dificílimo para por em prática.

O desmatamento cresceu e vai crescer; a área ambiental pagou e vai pagar o pato.

Na questão do licenciamento, a burocracia não é inocente. É lerda. É incompetente.

Não raras vezes, como todas as burocracias, corruptas.

Uns, o governo, os empreendedores, querem pressa; outros, os burocratas, os bons, obediência à lei e os ruins, a obstrução.

Foi nesta monumental fogueira que Lula, exímio na arte de fritar e elogiar delinqüentes, jogou, impiedosamente, sua Joana D\Arc cabocla.

O Deputado André de Paula fez uma síntese admirável do episódio: na gestão de Lula, os membros importantes do governo ou saem envergonhando, ou saem envergonhados… do governo, é claro.

A respeitável Ministra e Senadora Marina Silva se encaixa na segunda hipótese.