Por Raul Henry A praia de Boa Viagem é um dos mais belos cartões postais do Brasil.

Ela é também o mais democrático de todos os nossos espaços de lazer. É freqüentada e desfrutada por ricos e pobres, sem qualquer distinção.

Pertence a todos os pernambucanos.

Além disso, tem, na sua avenida beira-mar, o metro quadrado mais caro do mercado imobiliário.

Por todas essas razões, a Avenida Boa Viagem conta com a melhor infra-estrutura da cidade, necessitando apenas de uma atualização do seu saneamento básico.

Mesmo diante dessa constatação, a Prefeitura do Recife, cujo slogan é “a grande obra é cuidar das pessoas”, inverte as prioridades e dirige investimentos milionários ao local.

O Parque Dona Lindu é um exemplo claro disso.

A despeito de toda a resistência popular, a prefeitura manteve a decisão de levar adiante o projeto do arquiteto Oscar Niemeyer ao custo de R$ 28,7 milhões.

Com essa quantia, a atual gestão poderia ter reestruturado/implementado, com folga, sete unidades de conservação ambiental, prometidas desde 2005: Apipucos, Jiquiá, Manguezais, Engenho Uchôa, Caiara, Santana e, inclusive, Boa Viagem.

O investimento necessário, segundo cálculos da própria PCR, é de R$ 24,4 milhões, totalizando 645 hectares de área, para beneficiar 690,5 mil pessoas.

Outro grande equívoco da PCR no bairro de Boa Viagem é a substituição de todo o pavimento de pedras portuguesas da Avenida por tijolos de concreto inter-travados.

Orçado em R$ 18 milhões, o Projeto Orla poderia ter sido bem mais barato se tivesse se detido à melhoria da iluminação e à ciclovia.

O primeiro questionamento : será que é justo, uma cidade com o pior índice de escolaridade do País, com a maior taxa de assassinato de jovens entre 16 e 24 anos, e tantas outras desigualdades sociais, investir quase R$ 50 milhões numa área já super-estruturada como a Avenida Boa Viagem, enquanto 500 mil vivem abaixo da linha de pobreza?

A segunda indagação : por que retirar o pavimento de pedras portuguesas do calçadão da Avenida Boa Viagem?

Nada justifica essa intervenção.

E há vários motivos para que ela não fosse feita.

Só para citar um, o pavimento de pedras portuguesas já estava incorporado à paisagem da praia.

Adquiriu o caráter de patrimônio da cidade.

Deveria ser preservado como parte da sua história urbanística, assim como devem ser preservados todos os bens culturais que representam a identidade de um povo e de um lugar.

A idéia da preservação da memória, cultivada em todas as civilizações mais avançadas, está sendo violentada sem a menor cerimônia. É como imaginar a praia de Copacabana sem seu mundialmente conhecido calçadão de pedras portuguesas com o desenho das ondas do mar do Rio de Janeiro.

Por fim, há que se questionar o desperdício.

Não faz o menor sentido, em uma cidade com tantas carências em saúde, saneamento, educação, segurança, desfazer, para depois refazer, o que já estava feito.

E, vale a pena ressaltar, bem feito.

Deixo uma reflexão: já imaginou a transformação que orçamento semelhante em infra-estrutura proporcionaria aos moradores dos violentos bairros do Ibura ou de Santo Amaro, por exemplo?