Por Ruth de Aquino, Redatora-chefe de ÉPOCA Nunca deu certo a idolatria.

O Brasil vive hoje uma polarização.

Quem ousa criticar Lula é chamado de “pig” (partido da imprensa golpista), de tucano e direitista reacionário.

Quem dá algum crédito aos acertos do presidente é acusado de não enxergar um palmo à frente do nariz.

Todo mundo perde nessa disputa de patrulhas.

Amizades azedam.

O raciocínio se embota, o debate emburrece.

Mas a maior vítima do personalismo de Lula acabará sendo ele próprio.

Refém do imbatível discurso “sou igual a vocês, passei fome e não estudei, mas cheguei lá”, Lula não produz um sucessor forte nem aproveita a falência da oposição.

Nunca antes no país um presidente tão popular teve tamanha dificuldade para destravar o Congresso.

No mês passado, em Brasília, dezenas de prefeitos e vereadores pagaram R$ 20 por fotomontagens com o presidente.

Sério.

Era um evento, depois de uma marcha.

O prefeito primeiro se arrumava diante do espelho para posar sozinho.

Um cartaz ao fundo tinha o logotipo da marcha.

Depois, no computador, a imagem era montada com a do presidente.

A foto de Lula era meio antiga, porque tinha sido feita na marcha do ano passado.

Mas a montagem ficava perfeita.

Esgotou-se o tamanho maior, passou-se para o menor.

O fotógrafo que cuidava do estande estava eufórico.

Ele disse ter vendido centenas de fotos porque “esse ano, está demais; o homem (Lula) está forte”.

Marchas e fotomontagens lembram o culto a déspotas iluminados?

Dão medo de um terceiro mandato?

Sim e não, dependendo de que lado você está nesta sociedade partida.

O cientista político Sérgio Abranches enxerga na internet uma legião de desocupados sindicais que tentam desqualificar qualquer crítica ao lulismo, mesmo a mais amena, equilibrada e fundamentada.

O artigo nem é lido, é tachado de conspiratório.

Os mesmos que acusam a mídia de golpista e maniqueísta santificam o presidente e demonizam os críticos. É o amor cego e feroz, que dispensa a razão ou o argumento.

Se Lula toma uma medida “de direita” e se articula com conservadores, seu cortejo de admiradores o considera um presidente arguto, dotado de “realismo político”.

Se Lula demite ministros acusados de corrupção, diz-se traído e depois estende a mão aos ex-malditos, é por lealdade, por não abandonar nunca os amigos.

Se Lula muda totalmente de idéia, é aplaudido como metamorfose ambulante.

O cortejo não percebe que governos melhoram quando há cobrança.

Nenhum governo, de qualquer partido, pode prescindir de críticas.

A adoração a Lula embute um risco institucional.

O lulismo é hoje, segundo Abranches, mais prejudicial ao PT que à oposição – até porque esta, sozinha, mete os pés pelas mãos.

Todo o apetite de Lula pelo calor popular, todo o carisma derramado nos palanques acabam sendo válvulas de escape de um presidente que se realiza nas ruas e na identificação com o povo.

Lula tem inapetência para a relação com o Legislativo.

Não consegue pautar nem Câmara nem Senado.

Sua autoridade, como presidente, é menor que sua popularidade.

Lula ficou maior que o PT, mas não consegue transformar adesão pessoal em recurso político no Congresso.

Por isso escapole das negociações políticas em Brasília, e sai pelo país ou pelo mundo, ora cometendo gafes, ora dizendo boas verdades em linguagem simples.

Lula é hábil negociador, tem flexibilidade e uma enorme capacidade de angariar apoio e simpatias.

Os fiéis seguidores de Lula deveriam fazer a ele um favor: parar com a idolatria.

Ela faz mal ao presidente e a seu futuro político.

Faz mal ao país.