Do editorial do JC de hoje Chega a ser assombroso que o prefeito de uma capital da dimensão do Recife tenha a coragem de pretender interpretar a vontade do povo brasileiro em torno de uma das mais condenáveis expressões de uma nação que se pretende democrática: a manutenção do poder nas mãos de um homem por entender que se trata do único capaz de manter as conquistas sociais. É um raciocínio tão primitivo e contestável que fica difícil não extremá-lo.
Se Lula é hoje o único brasileiro que pode governar como está governando, com a aprovação da maioria de seu povo, quem haveria de contestar, quatro anos depois do seu terceiro mandato – se chegasse a tanto – que as condições seriam as mesmas, isto é, o pernambucano Luís Inácio Lula da Silva como o único cidadão capaz de governar o País?
Esse raciocínio peca pelo absurdo e pela ausência de um mínimo de sensibilidade no que se pretendia ser um aglomerado de pessoas de esquerda, politicamente corretas, motivadas por princípios éticos, compromisso com os direitos humanos, irredutíveis em sua determinação de mudar o Brasil, a começar pelas reformas fundamentais como a agrária, a política, a educacional e por aí vai.
Hoje sabemos que não é bem assim, mas agredir a consciência e inteligência nacionais com o argumento pífio de que dos quase 200 milhões de brasileiros apenas um está habilitado a governar melhor, tenha paciência!
Não é preciso diploma de cientista político ou qualquer outro título universitário para entender o sucesso do presidente.
Não há apenas uma explicação, mas várias, a começar pelo seu jeito de povão no falar, no tratar com a imprensa, no comunicar-se.
Ele aprendeu, e muito bem, nas grandes assembléias sindicais, quando se fala costumeiramente o que a maioria quer ouvir.
O líder sindical pode até ter um pouco de dúvida do que está defendendo, mas para se fazer ouvir tem que ser firme no discurso, suas palavras devem ser as de um ventríloquo das massas.
Assim também o líder popular, e não há nisso nenhuma novidade.
Vamos considerar que seja o caso do nosso presidente a empatia, a forma de se comunicar que faz os grandes comunicadores.
Como foi outro pernambucano, Chacrinha, que dominava seu público como ninguém foi capaz até hoje.
Alie-se a esse talento uma administração voltada com ênfase para quem nunca teve governo – ou o teve em alguns momentos excepcionais, como no tempo de Getúlio Vargas – e chegamos à decodificação de um outro fator de tanta aprovação popular.
O homem não é apenas de origem comum à maioria dos brasileiros, mas fala sua linguagem e atende a suas necessidades básicas.
O que mais para ter tanto sucesso?
Talvez um toque mágico do imaginário popular, orgulhoso de ver seu presidente, um ex-operário, conversando no mesmo nível com reis, rainhas, presidentes de países ricos.
Tudo bem, não há como questionar, sequer discutir essa confluência de virtudes, mas daí a achar que se trata do único entre todos, há uma grande, uma enorme distância.
Até porque tudo o que o presidente está fazendo tem a chancela de alguma autoridade na matéria.
Pois não é que ele atribui à ministra Dilma Rousseff a maternidade de um dos seus mais importantes programas?
Por que, então, não admite o prefeito do Recife que a ministra é capaz de dar continuidade – e até melhorar – a tudo o que Lula fez até hoje?
Talvez por um motivo muito simples: a contagem dos votos.
De fato, numa eleição hoje dificilmente alguém ganharia do presidente Lula.
Mas há dúvida, dentro do PT, se o presidente terá, em 2010, poder de transferência de votos.
A quase unanimidade de aprovação nacional é um patrimônio pessoal ou conquista da administração?
A resposta a essa questão é que explicará o andar do andor.
Se o PT insistir na reeleição é porque estará com pesquisas nas mãos dizendo que Lula não transfere sua força eleitoral.
O que é mais grave ainda, porque estariam tentando escrever a história de uma nação, a expressão de suas instituições, a partir de um mito e, sem ele, o caos.