Por Edilson Silva No próximo dia 4 de maio, domingo, acontecerá em mais de 200 cidades do mundo todo um evento que já ocorre há vários anos: a Marcha Mundial da Maconha, que propõe o debate sobre a descriminalização específica desta droga.

O Brasil está entre os países com forte participação na atividade, que deverá se realizar em mais de 10 cidades, dentre as quais Recife.

Mas, o que este evento tem a ver com o debate sobre os problemas municipais, discutidos nesta série de artigos entre os prefeituráveis de Recife?

Tudo.

Tanto pela forma preconceituosa como os organizadores e potenciais participantes do evento estão sendo tratados por alguns segmentos do Estado, como pela essência do tema em questão.

Como venho colocando sempre nos modestos artigos escritos neste espaço, o município é onde as pessoas moram, trabalham, estudam.

O município é onde a vida acontece no seu cotidiano, onde o salário é pouco ou razoável, onde o desemprego causa agonia e desespero, onde a segurança pública funciona ou não, onde a escola ou o atendimento à saúde presta ou não, enfim, onde os efeitos das macro-decisões econômicas e políticas são concretizadas.

Portanto, a “paróquia” e seus moradores são os que têm mais legitimidade e autoridade moral e política dentre os demais entes federativos, obviamente dentro de um pacto democrático e justo, solidário e harmônico com estes, para sugerir, reivindicar ou exigir, por exemplo, alterações ou reformas no ordenamento jurídico que estabelece os direitos e deveres ao conjunto da sociedade.

Os usos e costumes de uma população ou grupo social, ainda não contemplados na superestrutura jurídica de uma sociedade, mas que já se materializam enquanto cultura e como fato consumado, sempre tiveram e sempre terão nas cidades de maior porte uma maior e melhor acolhida, desenvolvendo-se nestas com mais desenvoltura, o que as tornam vanguardas na luta pela adaptação das leis às novas realidades.

Foi assim com o divórcio, está sendo assim com a união civil entre pessoas do mesmo sexo, com os debates sobre o aborto, sobre a utilização de células-tronco de embriões em pesquisas científicas, e não seria diferente com um tema tão polêmico como a descriminalização da maconha.

Esta dinâmica neste âmbito das relações sociais, que em muito tem a ver com o caminhar da humanidade e da civilização, torna-se sempre menos traumática quando as liberdades individuais são minimamente garantidas.

Felizmente, fruto de muita luta política, em momentos em que a “Lei” dizia que era proibida “qualquer aglomeração”, conquistamos a democracia que temos no Brasil, e estão consagrados na Constituição Federal alguns direitos individuais.

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;".

Baseado, sem trocadilho, nesses direitos, os brasileiros podem ir às ruas defender alterações nas próprias leis, para tornar o ilegal legal ou vice-versa, para fazer pressão sobre as instituições e para tentar dialogar e convencer a sociedade a respeito dos seus pontos de vista sobre os mais variados temas.

Sou radicalmente contra a pena de morte, por exemplo, que não é amparada legalmente no Brasil.

Mas isto não me dá o direito, assim como não dá ao Estado, de impedir seus defensores de se expressarem publicamente, como o fazem, aliás, sem nenhum inconveniente por parte das autoridades e da Justiça, que não vê nesta atitude, fartamente encontrada em propagandas eleitorais, apologia à prática de homicídio.

Assim, faria muito bem à nossa democracia, à consolidação de uma cultura democrática cada dia mais avançada, que o prefeito da cidade do Recife, assim como das outras cidades, enquanto lideranças políticas locais, cercassem a Marcha Mundial da Maconha de solidariedade, não necessariamente se somando à causa defendida pelos seus organizadores, mas pela simbologia que isto representaria na garantia dos seus direitos constitucionais, de poderem ocupar o espaço da cidade com plena liberdade para expressar suas idéias.

Sobre a essência da proposta desta marcha, o tema envolve, além da questão dos direitos individuais e coletivos, segurança pública, saúde pública, educação, juventude, direitos humanos, dinamização econômica e geração de impostos, e vários outros tópicos correlatos.

Há na organização da marcha, dentre outros, organizações muito sérias que trabalham diuturnamente por políticas públicas para a redução de danos pelo uso de álcool, cigarro e outras drogas.

Trata-se, portanto, longe da desqualificação moral e da ilegalidade que alguns setores tentam impor, como se a marcha tivesse o objetivo de fazer apologia ao uso da maconha, de uma iniciativa absolutamente legítima e importante, como mínimo pelo caráter pedagógico e pela reflexão coletiva que proporciona.

PS:Presidente do PSOL/PE, é pré-candidato à prefeitura do Recife em 2008.

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