Editorial da Folha de São Paulo de hoje COMEMORANDO num discurso, com razão, o “investment grade” atribuído ao Brasil pela agência Standard & Poor\s, o presidente Lula traduziu o termo do jargão financeiro numa frase de impacto imediato: o país passou “a ser considerado sério” pelos investidores internacionais.

Infelizmente, esse diagnóstico de “seriedade” se aplica mais facilmente às práticas econômicas do Brasil do que ao comportamento de seus governantes, a começar do próprio Lula.

Nesta quarta-feira, o presidente lançou-se a um extravagante ato de solidariedade ao governador cearense Cid Gomes (PSB), que, conforme amplamente noticiado, incluiu a própria sogra numa viagem oficial à Europa durante o feriado carnavalesco.

A viagem representou um gasto de R$ 388 mil para os cofres públicos, por ter sido feita num jatinho fretado.

Defendendo Gomes, Lula explicou que “um avião é alugado por quilometragem, pode ter um passageiro ou dez, o preço é o mesmo”.

Sim, desde que se tenha decidido fretá-lo, em vez de conformar-se com um vôo comercial comum.

A partir dessa claudicante aritmética palaciana, Lula decolou no rumo de considerações mais abstratas. “Eu acho que isso não contribui para a política, porque na hora que as pessoas começam a denegrir a imagem do político, o que vem depois é pior do que o político.

O que vem depois não é mais sadio.” A obscuridade da alusão só se deve à falta de argumentos reais para defender o “aerossogra” cearense.

Não se trata de denegrir, obviamente, a imagem de político nenhum: num caso como o da viagem de Cid Gomes, o que se faz é noticiar o tipo de uso do dinheiro público em que incidem alegremente tantos detentores do poder neste país, que “passou a ser considerado sério”. “Você tem a minha solidariedade”, afirmou Lula ao governador do Ceará.

Está longe de ser novidade a bênção presidencial a apoiadores flagrados em estrepolias de menor ou maior monta.

Há pouco mais de um mês, Severino Cavalcanti, ex-presidente da Câmara, e Renan Calheiros, o ex-presidente do Senado, receberam elogios públicos de Lula.

Ambos, como é notório, envolveram-se em escândalos pormenorizadamente expostos pela imprensa.

Diante de platéias preparadas para aplaudi-lo, Lula concedeu-lhes um crédito moral que não merecem. É um “investment grade” e tanto, do ponto de vista político -se houver alguém disposto a levá-lo a sério.