Por Juracy Andrade juracy@jc.com.br Vou começar hoje com melancólico comentário sobre um belo filme, sem final feliz.

Há alguns anos, um grupo de cristãos que ainda pretende transformar a pregação evangélica em realidade criou O Dom da Partilha.

O projeto, instalado na Avenida Abdias de Carvalho, passou a oferecer almoço a cerca de 350 pessoas por dia ao custo de um real.

A intenção da cobrança era preservar a dignidade do beneficiário não dando a impressão de mera esmola. “Sonhos sonhos são”, diz o jornalzinho que o grupo editava. “Talvez seja este o último número deste jornal.

Talvez não”.

Do grupo faziam parte, entre outros, Assuero Gomes e Mircia, Fernando Lindoso e Carminha, padre João Pubben, irmã Vanda, Deo Barbosa, Fernando Brito, para os quais “os sonhos e as cirandas são para ser vividos e celebrados.

Os sonhos sonhos são, e serão tanto mais belos quanto mais altos e mais profundos, até tocarem o chão por onde caminham os pés desnudos e calejados”.

Durante quatro anos, eles sinalizaram, testemunharam “que é possível se fazer presente no presente do pobre faminto.

Sinalizamos que é possível fazer concreto o Evangelho e a Eucaristia.

Mostramos também como é frágil e limitada nossa fé”.

Independentemente da fé, que move corações e mentes e montanhas, é cada vez mais evidente que não se resolvem problemas sociais dando uma esmolinha que não cria nenhum vínculo entre doador e beneficiário nem resolve nada.

O caminho é a ajuda organizada, seja por motivação religiosa ou humanitária, de quem tem a quem não tem, até que todos voltem a poder usufruir dos bens da Mãe Natureza, que Deus (para quem crê) criou para todos.

O que causa espanto é, para dar um exemplo, que O Dom da Partilha tivesse que pagar, por um exíguo espaço, R$ 400 mensais aos padres salesianos, cujo fundador, São João Bosco, foi um servidor dos pobres, como São Francisco de Assis, São Vidente de Paulo, Dom Helder, todos homenageados em pinturas na parede de frente do restaurante daquele sonho.

Causam espanto também os apelos frustrados por ajuda ao Fome Zero.

De pessoas e grupos houve ajuda, mas não foi suficiente.

O jornalzinho cita a comunidade de São Vicente de Dois Unidos, o Instituto Capibaribe, Colégio Nossa Senhora do Carmo, Fátima Rocha, grupos das igrejas de Santa Edwiges e das Fronteiras, grupos da Chesf, da Unicred, Fasne, frei Aloísio Fragoso, colaboradores holandeses, Comeb, Sindicato dos Médicos, irmã Rosalie Gomes.

Vou abordar outro assunto, correlato, pois enquanto o Estado não cumprir seu papel diante da sociedade que o instituiu, prevalecerá a desordem estabelecida (que inclui a fome).

Um amigo meu, o Aurélio Judice, foi vítima de assalto a mão armada, junto com a esposa dele, dona Letícia.

Assalto?

Que coisa mais corriqueira.

O pão nosso de cada dia.

Não aquele gostoso das boas padarias, mas o pão que o diabo amassou.

Ele é empresário e ia depositar dinheiro em banco quando foi surpreendido por malandros, incapazes de trabalhar e produzir, que decidiram viver bem às custas de quem trabalha.

Como de costume, o desinteresse da polícia.

Radiopatrulha estacionada ali próximo, em área de freqüentes assaltos, não pode, dizem seus ocupantes, sair em perseguição, simplesmente avisa ao distrito, que tarda a agir, quando age. (Infelizmente, também não podemos esquecer certas sociedades espúrias entre bandidos e maus policiais.) Para que a sociedade sustenta o Estado?

Por que pagamos tantos impostos sem receber nenhuma contrapartida?

Nós precisamos retomar o controle do Estado, que foi criado, há longínquo tempo, para representar e defender a sociedade.

Com seu inchaço no correr da história, o Estado apropriou-se da sociedade e age à sua revelia ou contra ela ou em defesa de interesses escusos. É o que está ocorrendo na área da segurança pública, hoje defesa social (??!!).

Eventuais detentores do leme do Estado esquecem que estão ali, eleitos pelo povo, para servir.

Já tivemos um secretário da área de segurança que dizia que a criminalidade desbragada é invenção da imprensa.

Hoje, um assessor de imprensa da SDS diz que é melhor conversar com um bandido do que com um jornalista.

PS: Juracy Andrade é jornalista