Por Carlos Eduardo Lins da Silva Eugênio Bucci classifica-se como “um liberal convicto”.

Em alguns setores do Partido dos Trabalhadores, esse adjetivo chega a ser grave acusação política. É natural que ele tenha enfrentado problemas ao participar de um governo liderado pelo PT por quatro anos.

O relato de sua experiência como presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007 está no livro “Em Brasília, 19 Horas”.

O autor acha que tinha o dever desse relato porque se trata de uma história pública, transcorrida em repartições públicas e que, portanto, pertence ao público.

Ele escreve na primeira pessoa do singular tanto gramatical quanto emocionalmente. “Usar o “nós” para encobrir o “eu” seria apenas um protocolo demagógico e desinformativo, mais que majestático.” Anuncia na apresentação que não vai falar bem de si mesmo.

De fato, chega até a falar mal de si mesmo.

Por exemplo, quando admite ter enveredado “voluntariamente pela ambigüidade” quando assumiu -sem precisar- a responsabilidade de fazer o “Café com o Presidente”.

A Radiobrás estar à frente desse programa ia contra um dos princípios básicos que Bucci tentou implantar na empresa: o de que à estatal cabia a tarefa apenas de divulgar informações; relações públicas (porta-voz, assessoria de imprensa, propaganda) era função de órgãos do governo, como a Secom.

Por mais que tenha tentado fazer do “Café com o Presidente” uma emissão de radiojornalismo, Bucci não consegue deixar de admitir mesmo relutantemente que, no fundo, ainda que não “rigorosamente”, é publicidade.

Dilemas morais Essa honestidade intelectual é uma das maiores qualidades de “Em Brasília, 19 Horas”.

Bucci expõe sem muitas reservas as contradições e dilemas políticos, éticos, morais que viveu nesses quatro anos.

Ele e sua equipe conseguiram muito e receberam o reconhecimento da opinião pública pelo o que fizeram.

Bucci tinha consciência de que iria tentar “o impossível: dar a uma empresa pública de comunicação uma direção apartidária, impessoal, para servir à sociedade, atendendo o direito à informação”.

Não alcançou o impossível; mas mostra ter feito o possível.

Lutou contra a mentalidade de que as emissoras estatais devem ser instrumento do governo e, por isso, ocultar notícias que não lhe interessem ou deturpar os fatos à sua conveniência.

Aos que o acusavam de veicular más notícias (greve da Polícia Federal, aumento do preço de gasolina) e ao mesmo tempo argumentavam que a “Voz do Brasil” precisava se manter obrigatória porque era a única maneira de os habitantes do extremo do país saberem do que ocorria, respondia: como sonegar ao barqueiro da Amazônia a informação de que iria pagar mais pela gasolina e ao munícipe da cidade de fronteira que a PF não iria trabalhar?

Adversários poderosos Bucci enfrentou adversários poderosos e os nomeia: José Dirceu, Bernardo Kucinski, Ricardo Berzoini.

O fato de ter sobrevivido até o fim do mandato pode ser explicado por várias razões: da sua própria habilidade política (da qual a decisão de fazer o “Café com o Presidente” faz parte) ao apoio que teve da sociedade.

Em quatro anos, não inchou os quadros do funcionalismo público nem o orçamento da sua empresa; aumentou a produtividade e deu aos produtos da Radiobrás mais credibilidade jornalística do que ela provavelmente jamais havia desfrutado antes; manteve -e talvez até tenha ampliado- o respeito que gozava entre os seus colegas de profissão.

Não é pouco.

Mas -como é fácil constatar- não é o impossível.

PS: CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é livre-docente e doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo e apresentador do programa “Roda Vida” (TV Cultura).