Da Veja O ERRO DE CÁLCULO Em sua edição da semana passada, VEJA trouxe uma reportagem que informava estar circulando no Congresso Nacional uma planilha de computador com dados sobre gastos pessoais do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e da ex-primeira-dama Ruth Cardoso.

Os repórteres da revista identificaram a origem do documento no Palácio do Planalto, mais precisamente na Casa Civil, que é chefiada pela todo-poderosa ministra Dilma Rousseff, candidatíssima à sucessão do presidente Lula em 2010.

A reportagem de VEJA identificou o documento como um “dossiê” e adiantou que ele estava sendo usado no Congresso como instrumento de “chantagem”.

A combinação dos fatores acima provocou, como era de esperar, um “escândalo político”.

Como todo escândalo, esse experimentou na semana passada um metabolismo que começou com a negação completa, passou pela acusação a VEJA de ter falsificado dados, até desembocar em explicações que, se não dirimem totalmente as dúvidas sobre a origem e os objetivos do levantamento dos gastos, pelo menos confirmam sua existência, afastando, portanto, a versão nefasta da falsificação.

A semana terminou com uma realidade: a existência de um dossiê/levantamento/relatório de treze páginas e 295 operações, feito no Palácio do Planalto, que descreve apenas gastos exóticos do ex-presidente tucano e da ex-primeira-dama.

Sobre isso não há dúvida.

Mas é só sobre isso.

Tudo o mais ainda precisa ser apurado.

Mas até lá existem suposições e versões.

Elas variam quanto à autoria e ao objetivo do documento.

A versão mais benigna para o governo veio, obviamente, da autoridade mais diretamente atingida pela revelação de VEJA, a ministra Dilma Rousseff.

Em uma carta à redação (reproduzida na pág. 60), a ministra acusa a revista de fazer “uma acusação grave ao transformar um instrumento de gestão em um mecanismo de suporte a suposta chantagem política”.

Dilma Rousseff confirma a exatidão dos dados publicados pela revista, mas discorda visceralmente da interpretação que VEJA faz deles – em especial no que diz respeito à edição desses dados.

A reportagem da revista apurou que o documento foi produzido e editado no Palácio do Planalto de forma a conter apenas informações potencialmente desabonadoras para FHC e Ruth Cardoso – deixando de lado dados de mesma natureza relativos a Lula e Marisa Letícia.

A edição de um banco de dados visando a fechar a questão em torno de um indivíduo ou de um período é chamada nos dicionários de dossiê.

Quando esse mesmo documento é usado para convencer, influenciar, intimidar ou constranger outros a tomar determinadas atitudes, o dicionário registra a ação como chantagem.

A reportagem mostrou que essas duas coisas ocorreram, mas não acusou a ministra Dilma de ser a autora, tampouco a viu como incentivadora dessas ações ou conivente com elas.

Apenas relatou que ela tinha uma batata quente nas mãos.

Ao longo da semana, porém, alheia às versões, a batata esquentou ainda mais e chegou mais perto da ministra.

Em uma reportagem de primeira página, o jornal Folha de S.Paulo localiza o epicentro do dossiê na ante-sala da ministra, mais precisamente na secretária executiva da Casa Civil, Erenice Alves Guerra.

Dela teria partido a ordem para que todas as despesas do gabinete do ex-presidente fossem vasculhadas desde 1998.

Os repórteres de VEJA já haviam seguido a mesma pista antes da publicação da reportagem da Folha.

As apurações de VEJA em Brasília dão conta de que, para o trabalho, foram convocados funcionários da Secretaria de Administração, da Secretaria de Controle Interno e da Diretoria de Recursos Logísticos da Presidência.

O grupo se reuniu a partir do dia 11 de fevereiro em uma sala do anexo II do Palácio do Planalto.

Pilhas de processos de compras foram enviadas para análise.

A ordem era separar todos que tivessem indícios de “materialidade e relevância”.

Um dos técnicos convocados chegou a indagar sobre que tipo de materialidade se estava pesquisando. “Compras inadequadas e mordomias”, explicou a coordenadora do trabalho, Maria de La Soledad Castrillo, assessora de Erenice Guerra e chefe da Diretoria de Recursos Logísticos, que funciona como uma espécie de prefeitura do palácio.

Os servidores se debruçaram sobre os processos durante uma semana.

Cada despesa mais exótica encontrada era efusivamente comemorada.

Uma nota fiscal que descrevia a compra de fraldas descartáveis e sabonete infantil, por exemplo, foi motivo de muitas piadas.

Se cada um dos participantes ou a chefona deles sabia que aquelas informações serviriam mais tarde, no Congresso, para fazer chantagem, é motivo de conjetura.

Que o trabalho foi realizado da maneira e no clima que se descreve acima, é bastante mais provável.

Os relatos da reunião foram feitos a VEJA por alguém muito próximo aos fatos.

Feita a seleção, que priorizou gastos da família presidencial com alimentação, bebidas e aluguel de carros, os funcionários passaram a digitar os dados.

Ao contrário das versões apresentadas, foi montada uma planilha de computador especialmente para receber as informações compiladas – só as compiladas – e facilitar o entendimento delas com observações feitas pelos funcionários.

O dossiê ainda ganhou dois adendos: um com as despesas de quatro agentes da Abin que usaram a verba secreta durante o governo Fernando Henrique e outro com informações sobre a ex-chef da cozinha do Palácio da Alvorada, Roberta Sudbrack. “O pessoal do gabinete da ministra tinha uma vontade muito grande de denunciar a chef da cozinha pessoal do presidente Fernando Henrique”, conta um funcionário do Planalto que, naturalmente, pede para não ser identificado.

O dossiê levanta suspeitas sobre o fato de Roberta Sudbrack ter sido contratada à época pelo Instituto Euvaldo Lodi – uma fundação ligada à Confederação Nacional da Indústria, que, segundo o Planalto, tinha interesses econômicos no governo federal.

O dossiê afirma que o Instituto recebeu 180.000 reais da Presidência em 2002.

O dinheiro seria para pagar a ex-chef. “Foi um convênio normal.

Tudo com recibo”, explicou Sudbrack.

A exemplo do que aconteceu com relação às despesas pessoais do ex-presidente, usadas para intimidar, insinuações sobre a chef foram publicadas em sites de pessoas ligadas ao governo.

Ela chegou a ser caracterizada como testemunha-bomba, que teria um salário de 12.000 dólares por mês.

Na tarde de sexta-feira, a Casa Civil divulgou mais uma nota em que nega até mesmo a existência da reunião descrita acima.

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