Por Edilson Silva Como serão as grandes metrópoles do século XXI?
Segundo Mike Davis, urbanista norte-americano e renomado estudioso dos fenômenos advindos da urbanização contemporânea, ao contrário do que se pensava ou queria, a abundância de aço e vidro, com imponentes arranha-céus e arquiteturas modernas predominando no cenário das pólis centrais, são favelas de tamanhos inimagináveis que vão se impondo gradativamente e consolidando sua hegemonia na paisagem urbana.
Não precisamos ser especialistas para perceber também que ao contrário de transportes inteligentes conduzindo a população de forma confortável, segura e com um mínimo de rapidez, carros particulares inviabilizam-se mutuamente em meio a transportes coletivos caros, desconfortáveis e lentos.
Recife é uma cidade que se encaixa bem nas constatações de Mike Davis.
Aqui, imponentes construções disputam espaços numa luta diária com favelas e moradores de rua.
Nosso trânsito já dá sinais de aproximação do colapso.
Infelizmente, a atual gestão da cidade tem contribuído para a manutenção e aprofundamento desta situação.
A prefeitura não só absorve como também incentiva a anarquia na ocupação dos espaços da cidade e na mobilidade das pessoas na mesma.
Afirmamos isto por que acreditamos que o zoneamento racional, tanto para os mais pobres quanto para as classes médias, está diretamente ligado às possibilidades de acesso real e democrático à cidade e consequentemente à qualidade de vida das pessoas.
Vamos pegar dois exemplos que podem simbolizar o que estamos falando: a liberação da construção das Torres Gêmeas nas proximidades do Forte das Cinco Pontas e a Via Mangue, que pretende ligar os bairros Pina e Setúbal.
Estas duas obras são, antes de mais nada, condenáveis do ponto de vista ambiental, com a primeira se localizando praticamente dentro de cursos d\água e a segunda agredindo e invadindo o Parque dos Manguezais, que é a maior área de manguezal urbano do país, ou seja, um diferencial do Recife.
As duas obras são também condenáveis do ponto de vista do direito do usufruto da população das belezas naturais da cidade, pois privatiza, em favor de uns poucos, áreas que poderiam dar uma dimensão mais humana à nossa cidade.
Neste sentido, ambas também são um desserviço às possibilidades turísticas do Recife.
Mas estas obras falam ainda mais das opções ligeiras e nada nobres da atual gestão neste terreno.
Com o caos no trânsito da cidade e as dificuldades de mobilidade já presentes, como permitir a construção de duas torres tão polêmicas (estão questionadas pelo Ministério Público) justamente naquela área da cidade?
Na medida em que há um amplo consenso de que transportes sobre trilhos são mais adequados e eficientes para os centros urbanos, a Via Mangue é realmente prioridade na estruturação de um novo e moderno modal de transporte de massas na cidade?
A Via Mangue é na realidade mais uma adaptação à lógica da utilização de transportes particulares, com o indisfarçável objetivo de favorecer especuladores imobiliários que já aguardam ansiosos para construir ao longo da tal via, que deverá mais adiante ter conexão com o outro empreendimento privatista que desemboca na Praia do Paiva. É o poder e o dinheiro públicos a serviço das elites locais.
O que é mais estratégico para a cidade, ter foco e prioridade zero na estruturação de um transporte público de qualidade para o conjunto da sociedade, formada em sua imensa maioria por trabalhadores, jovens e estudantes, ou empenhar-se em impulsionar negócios privados?
A área norte do Recife, por exemplo, das mais populosas da cidade, é muito visitada por políticos, principalmente em época de eleições, e todos querem ter influência sobre seus eleitores.
No entanto, os moradores daquela região apertam-se diariamente em ônibus e em engarrafamentos para trabalhar e estudar.
Vivem um caos e um desconforto terríveis.
Chega a ser incompreensível como até aqui não se trabalhou pela extensão do Metrô até o bairro de Casa Amarela.
O leito já existe, a Avenida Norte.
A exemplo do Metrô de Salvador (BA), esta extensão poderia ser de superfície e elevada, para não inviabilizar as vias rodoviárias já existentes.
Esta obra é uma prioridade.
Indo em outra direção da cidade, porque não podemos reivindicar e trabalhar em prol da reativação e modernização da Linha Férrea Centro da antiga RFFSA, hoje desativada pela política de privatização?
Esta proposta poderia ligar Recife, por trilhos, a cidades também em expansão como Caruaru e Gravatá, permitindo que trabalhadores e estudantes possam transitar diariamente por estas cidades, de forma mais segura, barata e confortável, dando assim um impulso no que deverá ser uma Região Metropolitana Ampliada, um conceito e tendência já presente em outros países.
Saímos dos trilhos e vamos navegar um pouco.
Estamos propondo a criação de uma Secretaria do Rio Capibaribe, para pensar estrategicamente o nosso rio, secretaria que será dotada de corpo funcional e técnico à altura do desafio de cuidar da preservação, navegabilidade e turismo do Capibaribe, algo que hoje não existe.
Com estas preocupações e propostas na mesa, que se articulam no curto, médio e longo prazos, o que interessa mais ao Recife: as duas torres da MD Engenharia roubando espaço público privilegiado nas imediações do centro da cidade, ou a adequação daquele mesmo espaço a um terminal urbano multimodal integrado, ecologicamente correto, integrando possíveis viagens feitas por embarcações pelo Capibaribe, pela linha ferroviária que ligaria Recife ao Agreste, e pelos ônibus que chegam e saem do Terminal Urbano do Cais de Santa Rita?
A exemplo do que já propomos para a educação, sabemos que nossas propostas neste âmbito não podem ser incluídas somente em planos de governo, mas sim no universo de políticas públicas que garantam ocupação, acesso e mobilidade democráticos e racionais no espaço urbano. É por isso que estamos propondo a reabertura do debate sobre o Plano Diretor da cidade.
E não vamos contratar a FINATEC para nos mostrar os caminhos.
Vamos ouvir o povo da cidade, a sociedade organizada, os técnicos “nativos”, nos espelharmos nas boas experiências e fazer um amplo debate e decidir democraticamente sobre que cidade queremos ter nos próximos 20, 40, 60 anos.
PS:Silva é presidente do PSOL/PE e pré-candidato à Prefeitura do Recife em 2008 e escreve toda sexta-feira, dentro do projeto de debates com os prefeituráveis.