Jayme Asfora O Brasil se chocou, mais uma vez, com o caso de tortura imposto a uma menina de 12 anos por uma empresária de Goiânia (GO), descoberto na semana passada pela polícia daquele Estado.
Não é a primeira vez que vemos pela TV um caso de submissão de crianças a situações desumanas, degradantes e totalmente inconcebíveis nos dias de hoje.
Mas se o País se chocou com as imagens de Goiânia, por que não nos chocamos mais ao ver situações similares nas ruas de todas as grandes cidades diariamente?
Por que conseguimos conviver com crianças e adolescentes dormindo nas calçadas, sendo usadas para pedir esmolas, sobrevivendo nas piores condições possíveis nas esquinas de nossas casas?
Por que não nos indignamos com o mesmo fervor como nos manifestamos em relação ao caso de Goiânia?
Por que não aproveitamos a ocasião para fazermos, todos, uma mea culpa e reconhecemos que nós - poder público, sociedade civil organizada e população – até hoje, não conseguimos encontrar uma solução para garantir o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente que completa, em 2008, 18 anos e, até agora, não conseguiu ser aplicado em sua essência, pelo menos no que diz respeito à proteção da criança e do adolescente?
Enquanto discutimos a mudança na chamada maioridade penal, milhares de crianças ainda sofrem o descaso e o abandono.
E ainda existem casos de famílias – que pensando sinceramente no bem estar dos seus filhos – entregam suas crianças a pessoas de maior poder aquisitivo que acabam por maltratá-las ainda mais, como fez a empresária goiana.
Leis para garantir a formação dessa rede de proteção não faltam.
O artigo 131 da Lei 8.069 (a do Estatuto da Criança e do Adolescente) criou, por exemplo, a figura do Conselho Tutelar – um “órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”.
Na prática, os conselhos são formados por pessoas que têm o papel de porta-voz das suas respectivas comunidades, atuando junto a órgãos e entidades para assegurar os direitos das crianças e adolescentes.
O Estatuto determina ainda que em cada município brasileiro deve haver, no mínimo, um Conselho Tutelar composto de cinco membros, eleitos pela população a cada três anos, com direito a reeleição.
Sua criação é feita por meio de lei municipal e realizada sob responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade; a fiscalização é do Ministério Público.
Entre as atribuições dos conselhos estão: atender crianças, adolescentes, pais, mães ou responsáveis e aplicar medidas de proteção, encaminhar ao Ministério Público crimes ou infrações ao Estatuto, tomar providências para que sejam cumpridas medidas de proteção, entre outros.
Mas é evidente que diversos Conselhos Tutelares, assim como outros órgãos públicos voltados para diversas áreas, sofrem com a falta de estrutura, de pessoas qualificadas e, sobretudo, de recursos para garantir o cumprimento do seu papel.
Enquanto centenas de cidadãos buscam, de forma voluntária, fazer um pouco de sua parte, precisamos também cobrar mais empenho das autoridades públicas (estaduais,municipais e federais) para garantir o planejamento e a execução de políticas efetivas de proteção às crianças e adolescentes.
Sabemos que é preciso,todos, sermos mais pró-ativos em relação a essa questão porque não dá para cobrar um política efetiva por parte dos governantes se,por exemplo, na esquina de nossa sede, na OAB/PE, convivemos diariamente com a mesma situação retratada neste artigo.
Esperamos, assim, cada vez mais, desempenhar melhor o papel que nos cabe nessa história.
E discutirmos também os caminhos, social e institucionalmente, para garantir um futuro mais perene, uma alvorada digna a esses cidadãos e cidadãs pernambucanos.
PS: Jayme Asfora é presidente da OAB-PE e escreve às quintas-feiras para o Blog de Jamildo