Da agência Brasil Tabatinga (AM) - Todos os meses, pelo menos 10 pessoas, em geral jovens, são presas pela Polícia Federal (PF) em Tabatinga (AM) levando pequenas cargas de cocaína pelo Rio Solimões.

Com a droga dentro de bagagens, no interior de objetos ou amarradas com fita adesiva junto ao corpo, os “mulas” buscam a sorte no varejo do tráfico, tentando passar a salvo das barreiras policiais ao longo do caminho até Manaus e outras capitais.

Se forem bem sucedidos, podem ganhar de R$ 1,5 mil a R$ 3 mil, dependendo da quantidade levada e do destino final.

Mas quando são pegos, seguem para a delegacia da PF, onde são ouvidos, e depois vão para o presídio de Tabatinga, local de moradia pelos próximos três anos ou mais, onde 213 pessoas cumprem pena - 90% por tráfico.

No sábado (21), dois mulas foram presos pelos policiais federais da Operação Cobra, na Base Anzol, o último e mais temido posto da PF no Solimões, onde todas as embarcações são obrigadas a parar e são revistadas.

Uma mulher que havia saído de São Luís (MA) e chegado a Tabatinga de avião levava três quilos de cocaína atadas ao corpo.

Aos 28 anos de idade, bonita e bem vestida, ela poderia não despertar a suspeita dos policiais, mas começou a passar mal, devido ao excesso de aperto da droga junto ao peito, e acabou presa.

Na delegacia, disse que era sua primeira viagem e ficou aos prantos, quando deu a notícia por telefone à família. “Se eu pensasse que isso poderia ter acontecido na minha vida, jamais teria entrado nessa.

Só entrei pelo dinheiro e porque pensei que seria fácil.

Eu precisava terminar a minha casa”, desabafou ela, que é casada e tem uma filha de quatro anos.

Pelo serviço, ganharia R$ 3 mil para levar a droga até São Luís.

No mesmo barco, foi pego outro “mula”.

Morador de Tabatinga, 21 anos de idade, estudou até a quarta série e trabalhava como mototaxista na cidade. É sua primeira prisão.

Levava 1,125 kg de cocaína atado nas pernas e nas coxas.

Moreno, estatura média, conta que é descendente de índios kokama e que não tinha nenhum plano específico sobre o que fazer com os R$ 1,5 mil que ganharia para transportar a cocaína até Manaus. “A situação não estava boa.

O trabalho está difícil.

Então resolvi fazer esse negócio”, disse ele, na delegacia, enquanto esperava algemado para ser ouvido. “Na hora vale a pena, mas agora vejo que não vale.

Estou arrependido, não quero esta vida mais não”, afirmou ele, irmão mais velho de um total de seis.

A família mora em uma casa simples, onde só se chega depois de passar por ruas esburacadas e cobertas de lama.

Ao saber da prisão, a mãe não demonstrou surpresa. “Já me falaram que tinha uns colegas dele chamando para viajar, para levar bagagem.

Ele me perguntou e eu disse não.

Mas ele não quer ouvir, prefere o conselho dos amigos.

Então é isso o que acontece.” A mulher contou que recebia o auxílio do Bolsa Família referente a três dos filhos que freqüentam a escola, mas que o benefício foi suspenso, sem nenhuma explicação.

Atualmente, sobrevive da venda de curitis (picolés caseiros) de frutas. “Agora, com o filho preso, complica ainda mais para mim.” Ela culpou a falta de trabalho em Tabatinga pelo grande número de jovens envolvidos com as drogas. “Eles não têm emprego.

Aí aparece uma ocasião dessas e, quem é meio bobo, vai.

Muitas vezes dá certo.

Muitas vezes não.” E mesmo para os “mulas” que não são presos, o ganho com o tráfico acaba não valendo a pena.

O mototaxista que levou nossa reportagem até a casa do garoto contou, com naturalidade, que também já havia feito o transporte de oito quilos de cocaína para Belém (PA), há cerca de quatro anos, mas que praticamente nada sobrou dos R$ 3 mil que ganhou. “Com o dinheiro, eu comprei roupas, um aparelho de som e fiz uma casinha de quatro por cinco, mas como não tinha emprego, vendi e fui morar em outro lugar.

O meu dinheiro acabou em nada.” Para o delegado federal em Tabatinga Giovanni Vicente Fontes Lopes, os “mulas” são apenas a parte aparente de um grande esquema criminoso. “O ‘mula’ pode ser classificado como a pessoa que é a ponta do iceberg.

Ele se forma dependendo da situação social do país, e na cidade de Tabatinga, especificamente, por falta de opção.

Talvez seja necessário que se dê mais atenção a esse tipo de ocorrência que vem acontecendo aqui freqüentemente. É um problema social.”