*Por Edilson Silva “Ou a sociedade destrói o capitalismo, ou o capitalismo destrói a sociedade”.

Esta previsão feita por Karl Marx, publicada em manifesto político em 1848, antevia as conseqüências de longo prazo da reprodução e aprofundamento das relações sociais de produção baseadas unicamente na economia de mercado.

Concordemos ou não com o conjunto de sua obra ou pressupostos teóricos, não há como negar que de lá pra cá, depois de 160 anos, a antipática previsão de Marx vai se confirmando de forma inquestionável.

A história deu amparo às previsões do polêmico e desafiador fundador do socialismo científico.

Se no século XX suas previsões só se faziam sentir com mais contundência através da fome e miséria crescentes e das guerras mundiais, permitindo que as classes médias olhassem meio de longe os problemas, o século XXI trouxe consigo os sérios problemas ambientais e a problemática da viabilidade da vida civilizada nos centros urbanos.

Ou seja, quem não pode pagar por fortes esquemas de segurança privada, quem não tem helicópteros para se locomover pelas grandes cidades, quem não tem perspectiva de morar numa plataforma espacial, encontra-se na condição de vítima deste famigerado sistema. “O capitalismo colocou em movimento um monstro que ele mesmo é incapaz de controlar”.

Marx escreveu isto também.

No século XXI a ciência e a lógica minimamente racionais e os espíritos minimamente humanistas estão ao lado do planejamento econômico em detrimento do capitalismo indomável, selvagem, do lucro puro e simples.

E este planejamento, para responder positivamente às demandas urgentes da sociedade, precisa ser presidido pela busca do avanço do processo civilizatório, de uma sociedade racional, humana, em que o conceito de desenvolvimento nunca esteja dissociado de sustentabilidade sócio-ambiental.

Há que se transitar, com realismo, para outros padrões e formas de consumo e produção.

O colapso da sociedade previsto por Marx vai se fazendo presente com mais força na medida em que a humanidade vai se tornando a cada dia mais urbana e concentrada.

E esta é uma realidade que se impõe a cada amanhecer. É no meio urbano que as contradições entre o desenvolvimento das forças produtivas e seu desenvolvimento tecnológico e as amarras das relações de produção vigentes se tornam cada dia mais intensas.

Os problemas comuns enfrentados pelas grandes metrópoles, entre as quais está Recife, têm nestas contradições a sua principal fonte de alimentação.

Favelização crescente, déficit habitacional, desemprego concentrado, violência e problemas de mobilidade urbana podem ser amenizados localmente, mas não serão resolvidos de forma alguma apenas nesta esfera.

No Brasil, não há como se falar em planejamento urbano sem se tratar de uma questão prévia como a reforma agrária, que é o principal instrumento ao alcance da sociedade para se trilhar pelo caminho do desenvolvimento descentralizado e sustentável.

O loteamento das terras brasileiras, baseado em latifúndios, produtivos ou não, demonstram que o Brasil neste aspecto ainda vive uma situação de pré-capitalismo.

O modelo de agro-negócio estabelecido nas últimas décadas, voltado para a competição predatória no universo das commodities, é altamente concentrador de renda e criou uma agricultura sem agricultores, com uso intensivo de capital e que expulsa a população campesina de suas origens.

A liberação dos transgênicos e o advento dos agro-combustíveis podem tornar esta situação ainda mais dramática.

Pequenos e médios agricultores brasileiros, sem uma política de reforma agrária que fortaleça o associativismo para a produção com altos padrões de qualidade e produtividade, não conseguem sobreviver.

Países europeus e mesmo os Estados Unidos têm um outro modelo de organização social e econômica no campo.

Os subsídios que estes países administram para seus agricultores mais frágeis diante do mercado globalizado são muito criticados pelos predadores do agro-negócio brasileiro.

Mas devemos indagar: que interesse deveria ter o governo francês, por exemplo, em ver seus produtores rurais falidos e migrando para os grandes centros?

Talvez saia inclusive mais barato subsidiá-los no campo do que ter que administrá-los em outra situação.

No Brasil não temos isto, é cada um por si, e os derrotados são a imensa maioria, que se voltam contra a sociedade de conjunto.

Em Pernambuco vivemos uma situação em que investimentos bilionários vão sendo concentrados em uma única cidade, Ipojuca, via Suape.

Qual o critério para estes investimentos?

As melhores oportunidades de lucro para empresários.

Não se pensou em distribuir melhor os investimentos e obras para se desenvolver outras regiões, muito mais carentes de investimentos e desenvolvimento. É assim que os grandes centros vão se construindo e ao mesmo tempo inviabilizando-se.

A tendência é que em pouco tempo Ipojuca tenha amplificado sensivelmente seus problemas urbanos, como favelização, violência, etc.

Migrantes de outras cidades e estados dirigem-se para lá, como que numa corrida do ouro, anárquica e predatória.

Esta situação favorece somente os empresários, que com abundância de mão de obra barganham o seu custo global para baixo.

Recife hoje já vive uma realidade próxima do colapso, e precisa de planejamento e reforma urbana, sim.

Precisa de transporte urbano mais barato e eficiente, sim, e o pensamento do PSOL é atacar de frente estes problemas, com ousadia e coragem.

Reafirmamos, porém, que não adianta ter propostas de planejamento para a cidade e ao mesmo tempo trabalhar contra a reforma agrária, como o fazem na Câmara Federal todos os deputados que postulam a prefeitura do Recife, assim como aqueles que já governaram diretamente o Estado e nada fizeram neste sentido.

Resolver os problemas da nossa cidade exige contrariar interesses que estão além das suas fronteiras.

Nosso compromisso é contrariar estes interesses e inserir Recife na luta por uma cidade e uma sociedade mais humana e justa, racional e sustentável, com democracia e liberdade para todos. *Presidente estadual e pré-candidato do PSOL à Prefeitura do Recife, escreve às sextas para o Blog dentro da série “Recife 2008.

Debate com os prefeituráveis”.

Seu último artigo, no entanto, não foi publicado na última sexta (21) e sai excepcionalmente neste domingo (23).