Da Veja Um dossiê feito para chantagear A CPI que investiga o uso dos cartões corporativos do governo começou a ouvir depoimentos na semana passada num falso clima de cordialidade.
Comandada pelo PT e pelo PSDB, a comissão não analisou os pedidos de quebra de sigilo nem os requerimentos de convocação de ministros, mas chamou atenção pelo tom desafiador de algumas declarações de representantes do governo.
O ministro Jorge Hage, chefe da Controladoria-Geral da União, depois de minimizar a importância das denúncias investigadas, disse aos parlamentares que “é possível que surjam coisas mais graves do que as que já foram descobertas até agora”.
O quê?
Ele não revelou.
Mais explícito, o ministro Paulo Bernardo, do Planejamento, sugeriu que a comissão se dedicasse ao exame das chamadas contas tipo B, um fundo de despesas que antecedeu a criação dos cartões.
Por quê?
Ele também não revelou.
Os dois ministros do governo Lula, na verdade, foram usados como porta-vozes de uma tentativa de intimidação.
O Palácio do Planalto mandou fazer um dossiê sobre os gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em seus últimos cinco anos de governo – e ameaça divulgá-lo para tentar constranger os oposicionistas que insistem em investigar o presidente Lula.
VEJA teve acesso a parte do dossiê.
Elaborado com base em dados considerados sigilosos pelo próprio governo, o material reúne detalhes das despesas do ex-presidente Fernando Henrique, de sua mulher, Ruth Cardoso, e de assessores próximos nos anos de 1998, 2000 e 2001 nas chamadas contas tipo B – aquelas a que o ministro Paulo Bernardo se referiu.
O documento lista centenas de compras realizadas pelo gabinete do ex-presidente, desce a insignificâncias, como pagamento de gorjetas e aquisição de material de higiene pessoal, e faz insinuações potencialmente graves, se verídicas, sobre a mistura de recursos públicos com despesas de campanha eleitoral.
Estão também discriminados compras de bebidas, alimentos e aluguel de carros.
As planilhas ainda revelam as iniciais de quatro agentes da Agência Brasileira de Inteligência (JCS, PSWR, SLCC e JCSB), seus CPFs e os valores que eles sacaram em dinheiro, 1,6 milhão de reais em 2002, usando as chamadas “despesas secretas”.
Uma simples consulta ao site da Receita Federal permite a identificação dos agentes.
Os autores do dossiê queriam mostrar que no governo passado também houve abuso nos gastos secretos.
ARMAÇÃO OFICIAL O dossiê lista centenas de compras realizadas principalmente no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Elaborado dentro do Palácio do Planalto, detalha gastos pessoais da família presidencial – informações consideradas pelo próprio governo como sigilosas.
A intenção é mostrar que o governo Lula não inovou ao usar os cartões corporativos para quitar despesas como bebidas caras, hotéis de luxo e produtos de higiene.
O documento sugere que houve promiscuidade entre o dinheiro público e a campanha eleitoral dos tucanos (à esq.), e foi usado por governistas para mandar recados aos adversários (à dir.). É grave saber que informações de estado, algumas sigilosas por lei, estão sendo usadas para chantagear políticos de oposição.
Mais grave ainda saber que a estrutura funcional do estado está sendo utilizada para montar um dossiê contra adversários – e, o que é mais espantoso, dentro do Palácio do Planalto, na vizinhança do gabinete do presidente Lula.
Com o início da crise dos cartões, um grupo de funcionários da Casa Civil da Presidência da República se debruçou, durante semanas, sobre uma imensa pilha de processos, notas fiscais e relatórios de viagem.
Oficialmente, fazia um levantamento administrativo de rotina sobre todas as despesas realizadas pelo gabinete do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Extra-oficialmente, a missão tinha outro objetivo: juntar material para ser usado, se necessário, numa operação para neutralizar a ação dos parlamentares da oposição no Congresso.
Milhares de transações de 1998 a 2002 foram analisadas, e separadas apenas as que continham despesas pessoais do presidente, da primeira-dama e de seus auxiliares mais próximos.
Todas foram selecionadas em uma planilha que identifica o número do processo, o servidor que efetuou a despesa, a empresa beneficiada, a data de execução e o número da nota fiscal referente ao desembolso.
Além de listar valores, o documento descreve o serviço e o beneficiário do gasto.
O dossiê construído dentro do Palácio do Planalto, usado pelos assessores do presidente na CPI em tom de ameaça e vazado pelos petistas como estratégia de intimidação, contém informações consideradas sigilosas e iguais às que o governo Lula briga para manter longe dos olhos da opinião pública.
De um universo de gastos de 408 milhões de reais, os funcionários do Planalto pinçaram 295 transações em três anos, num total de 612.000 reais.
A ex-primeira-dama Ruth Cardoso é mencionada 23 vezes como beneficiária de despesas com locação de carros, hospedagem em hotéis, compra de ingressos para peças de teatro no exterior e até como ordenadora da compra de um porta-retratos, no valor de 100 dólares, para presentear um oficial da Colômbia designado para acompanhá-la durante visita ao país.
Gastos com vinhos importados, champanhes franceses, carnes raras e até caviar foram compilados da documentação armazenada na Presidência da República e reproduzidos no dossiê.
O levantamento tem o objetivo de mostrar que a equipe do presidente Lula não inovou ao usar as contas tipo B e os cartões corporativos para bancar despesas exóticas.
Seus autores chegam a insinuar que dinheiro público usado para a compra de garrafas de champanhe teria sido desviado para a campanha eleitoral que reelegeu FHC em 1998.
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