Da Istoé Em um artigo, há 15 anos, o economista José Márcio camargo, 60 anos, propôs a criação do que começou como Bolsa Escola e hoje se chama Bolsa Família.
Em 2003, no início do atual governo, ajudou a colocar o projeto em prática – e hoje comemora os resultados do mais famoso programa social de Lula.
Ele diz por que o País mudou de patamar econômico.
E explica como essa transformação cria uma nova agenda para o Brasil, o que afetará o debate da eleição presidencial de 2010.
ISTOÉ – O Brasil mudou de patamar?
José Márcio Camargo – Não há a menor dúvida.
O País mudou de patamar por várias razões.
ISTOÉ – Quais?
José Márcio – O número de reformas que foram feitas nas duas últimas décadas é impressionante.
O presidente Sarney começou a fazer a reforma do Estado, que era extremamente desorganizado.
Modernizou a Receita Federal e criou a Secretaria do Tesouro.
O presidente Collor aprofundou a abertura da economia e começou as privatizações.
O presidente Itamar Franco continuou a privatizar.
Fernando Henrique Cardoso fez mais privatizações e promoveu uma série de reformas no mercado de trabalho, uma na Previdência e algumas reformas no mercado de crédito.
Veio o Lula e com ele outra série importante: o crédito consignado e outra reforma da Previdência.
O Brasil hoje é um País completamente diferente do que era há 20 anos.
ISTOÉ – O Brasil fez o dever de casa?
José Márcio – Fez.
E, além das reformas, foram fundamentais os acordos com o Fundo Monetário Internacional.
Eles nos ensinaram que ter responsabilidade fiscal, estabilidade e câmbio flutuante são essenciais para o crescimento futuro da economia.
ISTOÉ – Qual é o novo patamar do Brasil?
José Márcio – É um patamar muito mais estável.
Até poucos anos atrás, todas as crises que o Brasil sofria vinham pelo lado financeiro.
Como o Brasil dependia muito do fluxo de capitais, uma crise na Rússia levava esses capitais para um pouso mais seguro, os títulos do Tesouro americano.
Isso gerava a desvalorização do real, o Banco Central tinha que aumentar juros e a dívida aumentava.
Hoje, acontece o contrário.
A crise vem via comércio, e não mais pelo mercado financeiro, porque somos superavitários.
E as crises via comércio são mais lentas.
ISTOÉ – É o caso da atual crise americana?
José Márcio – Acho que a economia americana vai entrar em recessão, e será forte.
O Brasil poderá pagar um pedaço dessa conta.
Mas, ao contrário de outras crises externas que faziam o Brasil ter um crescimento negativo, dessa vez teremos apenas um crescimento menor.
Em vez de crescer 5,3%, poderemos crescer 4,5%, por aí.
E se a recessão americana for forte e longa vamos crescer 4% em 2009.
Isso é quase o dobro do que se crescia nos melhores anos no passado.
ISTOÉ – O Lula teve a sorte de pegar uma situação internacional favorável até agora?
José Márcio – Não gosto de falar em sorte.
Mas o crescimento da China foi ótimo para o Brasil.
A China produz o que nós consumimos e consome o que nós produzimos.
Como é um país muito grande, com mais de 1,5 bilhão de habitantes, quando cresce 10% ao ano, com toda essa população consumindo, o que produzimos aumenta de preço.
ISTOÉ – Não existe o inimigo chinês?
José Márcio – Existem alguns setores no Brasil que perderam para a China.
Brinquedos, por exemplo.
Mas, para o Brasil como um todo, o crescimento chinês foi sensacional.
O papel da China foi o de aumentar, mundialmente, o preço das commodities que o Brasil vende.
Isso fez com que o Brasil conseguisse gerar grandes superávits comerciais nos últimos anos.
ISTOÉ – Existe um momento para definir esse salto dado pelo Brasil?
José Márcio – Não.
Política econômica não é um só momento.
O segredo está na continuidade da responsabilidade fiscal, na estabilização e nos incentivos corretos.
ISTOÉ – Qual a nova agenda?
José Márcio – Ela começa pela educação.
A taxa de retorno no Brasil é altíssima.
Não há nada que renda mais do que investir em educação.
A cada ano adicional que o sujeito fica na escola, a renda aumenta 10%.
No entanto, a demanda por educação no Brasil é muito pequena.
Não vejo um candidato a presidente ter como plataforma melhorar a qualidade da educação.
ISTOÉ – O Bolsa Família é um começo?
José Márcio – A idéia do Bolsa Família é comprar o tempo da criança para que ela fique na escola.
Nas famílias pobres, uma criança pode trazer até 30% do orçamento familiar, vendendo balas em semáforos, por exemplo.
Então, entre deixar a criança na escola ou colocá-la para trabalhar, os pais preferem a segunda opção.
O Bolsa Família paga o pai para deixar o filho na escola.
ISTOÉ – Não cria uma geração que deixa de trabalhar porque recebe mensalmente do governo?
José Márcio – Esses são os pais.
A criança está na escola.
Não interessa o que o pai faz com o dinheiro.
A produtividade desse sujeito já é muito baixa.
O que interessa é investir na criança.
O Bolsa Família, a meu ver, é o melhor programa social que o País poderia ter.
ISTOÉ – É um programa eleitoreiro?
José Márcio – O sujeito que é contra ele não terá o voto daqueles que se beneficiam.
Mas isso é normal.
Qualquer programa de governo afeta as eleições.
Ninguém nunca diz que as bolsas que a Capes dá para o cidadão fazer doutorado nos Estados Unidos são eleitoreiras ou assistencialistas.
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