Por Jânio de Freitas Os arranjos no governo para levar à compra da Brasil Telecom pela Oi/Telemar, apesar do vigente impedimento legal, aceleram-se rumo à história.
Onde esse negócio vai figurar como um dos mais escabrosos no gênero.
Se, como trama, iguala as privatizações do governo Fernando Henrique, faz a sua com escancaramento que os artífices e beneficiários daquelas não foram capazes de ousar, só evidenciados ou confirmados com a divulgação de “grampos” ilegais, mas benfazejos.
A maneira de criar um procedimento administrativo com aparência convencional, em substituição ao ato presidencial já combinado para alterar a proibição vigente, é uma seqüência de artifícios que não resistiriam nem a um exame de moralidade feito por Fernandinho Beira-Mar.
Para evitar o constrangimento criado pelas notícias que lembravam ser a Oi/Telemar, principal beneficiária do negócio, a aplicadora de alguns milhões para capitalizar e cobrir prejuízos da empresa de um filho de Lula, o governo enveredou por desvios fantasistas que, a cada passo, só tornam a operação mais reprovável.
São passos escancarados (a Folha publicou ontem mais dois, um assinado por Elvira Lobato, outro por Humberto Medina), mas todos protegidos na Câmara e no Senado por um silêncio virginal.
Alguém ainda se perguntaria o que e quem faz os políticos brasileiros manterem ouvidos e olhos sempre fechados a uma operação tão merecedora de escândalo nacional?
E nacional até porque seu resultado será a apropriação por uma só empresa, a Oi/ Telemar, de todo o território nacional, excetuado apenas São Paulo incompleto.
Os passos mais recentes para a pretensa proteção de Lula são autodenunciantes, caso faltassem precedentes de mesma clareza.
O ministro das Comunicações, Hélio Costa, que deixou registrada na imprensa sua discordância da compra, agora foi feito peça-chave dos artifícios.
Coube-lhe fazer um pedido à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para encaminhar, à Presidência da República, uma proposta de mudança na legislação, abrindo-a ao acúmulo de domínio territorial e operacional da Oi/Telemar.
Mas pedido em razão de quê?
Mudança de opinião, estudos técnicos do ministério?
A saída não poderia ser mais viva e simplória: “a pedido das empresas”.
Lavadas biblicamente as mãos de Hélio Costa, Ronaldo Sardenberg, presidente da Anatel, meteu as suas e o nome na operação.
Aceitou no conselho da agência a incorporação de José Zunga de Lima, que, apesar de petista e cutista, é gerente de Relações Não-Governamentais da Brasil Telecom (imagina onde estaria, se fosse gerente de relações governamentais).
O conselho mais iluminado por Zunga é que vai receber de Ronaldo Sardenberg, “para decidir”, a proposta técnica “criada na agência” em atenção ao “pedido” do Ministério das Comunicações.
Lula, pode-se prever, ficará muito surpreso e indeciso, quando receber a sugestão que dará a sócios do seu filho o negócio de um punhado de bilhões.
Embora, antes da surpresa, já tenha uma dúvida a respeito: há sugestões diferentes sobre o truque para evitar que faça pessoalmente a mudança da legislação, sendo possível um ato desse seu poder tanto para o Ministério das Comunicações como para a Anatel.
E, de repente, um probleminha entra em discussão: se ficar concluído que essa transferência, para enfrentar melhor possíveis recursos judiciais, deve passar pelo Congresso, a repentina rebelião parlamentar contra medidas provisórias seria um tropeço para o negócio.
Não, é claro, por oposição de parlamentares, que doadores e contribuintes merecem toda consideração.
Mas porque o último lance da operação ficaria entre um lerdo projeto ou uma fragilidade formal -inconseqüente, como os processos do gênero, mas politicamente incômoda.
O lugar na história, porém, ninguém tasca.