Grande e alheio mundo Por Lucila Nogueira* Na página de Opinião do JC Lembro-me com nitidez daquela noite em um quintal de gambiarras, com uma casa antiga em ruínas, de cuja sala se erguia paranormalmente uma árvore centenária.
Doada em comodato à União Brasileira de Escritores (UBE) por Gilberto Marques Paulo, a casa seria reconstruída para dar lugar à sede da instituição de escritores, até hoje em funcionamento.
Eu caminhava sobre a irregularidade do assoalho, os buracos infinitos, enquanto o poeta Flávio Chaves mostrava cômodo por cômodo, adiantando as conquistas já obtidas para a restauração do imóvel.
Algum tempo depois fui à inauguração.
Era impressionante o número de escritores que se juntaram às atividades da UBE-PE.
Um vagão foi doado e transformado em livraria.
A qualquer hora que você lá chegasse encontrava o poeta: grave, solene, aparentemente hierático para os que não fossem eleitos seus amigos e pudessem desfrutar da sua ternura, de seu apoio, de sua liderança.
Atuou com segurança em congressos de escritores, um dos quais eu tive a alegria de participar.
Outro momento importante foi a indicação do escritor Ariano Suassuna ao Prêmio Jorge Amado.
Foi uma intervenção histórica, pois as outras instituições literárias haviam indicado outros candidatos.
Flávio realizou a Primeira Caminhada Poética do Recife, bem como a Primeira Chuva Poética.
Caminhei à luz de velas desde a Casa da Cultura até a Universidade Católica,onde declamei do alto de um carro de som.
A Chuva… aconteceu na Praia de Boa Viagem, os poemas caíam dos ares sobre os corpos e mentes que se banhavam.
Desde o início de sua aparição pública, Flávio Chaves sempre demonstrou carisma, ousadia, eficácia e responsabilidade.
E despertou naturalmente alguma polêmica, como tudo o que se sobressai.
Fez um belo trabalho na Fundarpe, quando diretor do Espaço Pasárgada.
Acompanhei seu êxito profissional, Flávio, estive ao seu lado durante algumas dificuldades pessoais e assisti admirada a sua resistência, que sempre me lembrou o poema Se, de Rudyard Kipling.
Ele fundou o Sindicato dos Escritores de Pernambuco, de cuja primeira posse participei na Ordem dos Advogados do Brasil, secção Pernambuco.
Lembro sua emoção homenageando figuras do porte intelectual de Edson Nery da Fonseca.
Também estava presente o amigo Antonio Campos, megaprodutor cultural de excepcional qualidade, sempre atento aos escritores em seu Instituto Maximiano Campos.
A saída de Flávio da presidência da Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), onde por um ano trabalhou das 7h às 22h com dedicação grande, deixou a muitos no Recife estupefatos.
Não que não se saiba como desperta ódio e inveja, nesta cidade de Oliveira Lima, você ocupar qualquer cargo.
Não que não se compreenda a pressão dos partidos políticos sobre os chefes de governo na voracidade dos cargos, ainda mais em empresas superavitária.
Mas, sabendo que Flávio editou 120 livros, vários álbuns de arte, estendeu apoio a edições de trabalhos universitários, deu espaço para nova dinâmica ao Suplemento Pernambuco, promoveu palestras em jornais locais com convidados do Sul, a exemplo de Paulo Markun, incentivou o aspecto social do funcionário, quer com doação de cadeira de rodas como com ampliação das cestas básicas e até distribuição de leite, obtendo a Cepe o prêmio Sesi de qualidade.
E, finalmente, que desmistificou a idéia de que a empresa teria apenas como objetivo estatutário a impressão do Diário Oficial – torna-se difícil compreender essa interrupção de atividades que tão bem estavam resultando para a imagem por excelência trabalhadora do governo do Estado.
Com todo carinho a Leda, Antonio, Eduardo e Ana Arraes, em quem votei inclusive para deputada federal, não poderia deixar de vir a público lamentar a saída de Flávio Chaves da Cepe em meio a tanta dedicação e trabalho, com essa aura de incompletude e ambigüidade, e dizer sem medo e com a franqueza que me caracteriza: segue Flávio, dá continuidade à sua obra…
Opera et labora.
Mesmo que seja triste constatar que nessa caminhada pode ser grande a solidão, a frieza, a falsidade, a ambição, a calúnia, a incompreensão, ou, para lembrar Cyro Alegria, como é grande e alheio o mundo. *Escritora.
PS: veja o que publicamos sobre a saída de Chaves, da Cepe, aqui.