Por Edílson Silva* Ibura de baixo, periferia do Recife, RPA 6.
Primeira semana de novembro de 2007.
A Secretaria de Educação da Prefeitura do Recife manda para o bairro uma equipe para negociar com uma manifestação organizada pela comunidade.
Mães impacientes com o descaso da prefeitura com seus filhos haviam fechado o acesso a uma escola municipal.
Funcionários, professores e alunos estavam proibidos de entrar.
Reivindicação: vagas em escolas municipais para alunos em idade de alfabetização e de 1ª a 4ª séries.
A equipe da Secretaria de Educação contorna a situação, autorizando a diretora da Escola Municipal Ibura de Baixo a matricular 180 crianças para o ano letivo 2008, que serão atendidas em um anexo a ser alugado pela PCR.
Três salas de aula receberiam 30 alunos cada, em dois turnos, manhã e tarde. 11 de fevereiro de 2008.
As mães e responsáveis levam os alunos, entusiasmados, ao que deveria ser o primeiro dia de aula.
Mas a prefeitura não alugou o anexo.
As mães se revoltam, e lideranças comunitárias, como Sérgio Alves, membro do Conselho Escolar, chamam a imprensa que prontamente comparece e registra o caso.
A prefeitura comparece e contorna mais uma vez a situação, adiando para o dia 29 de fevereiro de 2008 o início das aulas das crianças. 29 de fevereiro de 2008, dia em que estamos publicando este artigo.
As mães levarão as suas crianças para a escola, mas o anexo ainda não foi alugado.
A prefeitura alega não ter dinheiro para pagar o aluguel da casa que está disponível.
Segundo os moradores e lideranças comunitárias, o dono do imóvel pediu R$ 1.050,00 mensais pelo aluguel, cerca de metade do que a PCR paga pelo aluguel da própria Escola Municipal do Ibura de Baixo.
A prefeitura diz que só dispõe de R$ 450,00 mensais.
Como não se chegou a um acordo, 180 crianças estão sendo penalizadas.
Uma mãe argumenta: “mas a prefeitura não gastou R$ 3 milhões para ajudar a Mangueira lá no Rio de Janeiro?”.
A pobre mãe nem sonha com os R$ 20 milhões dos contratos da FINATEC.
Seu filho e mais 179 crianças estão sem aula porque a PCR diz não dispor de R$ 600 por mês para alugar um anexo.
As famílias e crianças penalizadas são das comunidades Jagatá, Terra Nostra, 8 de Março, Alto da Bela Vista e Vila do Melaço, todas no Ibura de Baixo.
Estas comunidades, que conquistaram seu direito ao teto com muita luta, são organizadas e vêm lutando pela educação de seus filhos há anos.
Em 2003, há cinco anos, estas pessoas organizaram-se e, acreditando no discurso da prefeitura e do secretário João da Costa, disputaram o orçamento participativo na comunidade.
Num gesto bonito e revelador da preocupação real com o futuro, não elegeram ações de impacto imediato.
Conquistaram colocar a construção de uma nova unidade escolar, de alfabetização a 4ª série, como prioridade zero, pois muitas de suas crianças já estavam há pelo menos 1 ano sem estudar, por falta de vagas.
Hoje, em 2008, a unidade escolar ainda não foi construída.
Das 180 crianças que seriam atendidas no tal anexo, uma boa parte já está de dois a três anos sem estudar, por falta de vagas.
São os chamados “alunos totalmente fora dos trinks”, que não são poucos no Recife.
Situações como estas é que levam o Recife a ter a pior educação entre as capitais brasileiras, segundo o Ministério da Educação.
Ao assumir a Secretaria de Educação do Recife, há uns dois ou três anos (não me lembro bem a data agora), numa mudança de comando na pasta, a professora Maria Luiza Aléssio, muito gentil e simpática, fez questão de visitar primeiramente a Escola Municipal do Ibura de Baixo.
A comunidade acreditou que o sonho se realizaria.
Doce ilusão.
O desrespeito solene às deliberações do Orçamento Participativo são uma constante em Recife.
Trata-se de um programa desmoralizado nas comunidades.
No Ibura de Baixo os casos são fartos.
Podemos citar como exemplo, além do referido anexo, as obras do canal do rio que liga o Jordão ao Ibura.
Nos dias de chuva as águas transbordam e inundam as ruas Dr.
Vicente Rabelo, Rio da Prata e Avenida Dois Rios.
Para 2007, a comunidade colocou a extensão do canal do Ibura até o Jardim Uchoa, que não existe, como prioridade zero no OP.
Até agora nada, enquanto outras obras, que não foram votadas, já estão em andamento.
Independente de prioridade no orçamento participativo, a prefeitura petista não deveria deixar as crianças sem aula.
Elas já têm quase nada.
Moradias precárias, saúde pouco cuidada, brinquedos quase nenhum, sonhos sempre distantes.
Sem uma escola sequer, que seres humanos serão?
A prefeitura, que diz que a grande obra é cuidar das pessoas, abandona-as.
A revolta com este caso se potencializa quando vemos a prefeitura gastar meio milhão de Reais para contratar Sandy e Junior, dizendo ser um presente para os pobres da cidade.
O povo não precisa de circo, João Paulo, o povo precisa de escolas!
Mas a PCR gasta outro meio milhão para contratar Fat Boy Slim; quase R$ 20 milhões para trocar o calçadão da praia de Boa Viagem; propõe outro tanto parecido para um parque de concreto a contra-gosto da comunidade; outros R$ 20 milhões com assessoria para melhorar a gestão; e por aí vai…
Será que o prefeito não sabe que incontáveis mães pobres da nossa cidade andam quilômetros a pé para deixar seus filhos em escolas distantes, do Ibura para o IPSEP, por exemplo, pois não têm dinheiro sequer para o transporte coletivo, e não podem utilizar sequer o passe-fácil dos filhos para diminuir o calvário um dia ou outro?
Será que mesmo com toda a assessoria da FINATEC, ou melhor, da Intercorp e a Camarero e Camarero, que fizeram um trabalho “excepcional” na melhoria da gestão, a equipe de educação da PCR não foi capacitada a saber que é um absurdo absolutamente inaceitável e revoltante deixar crianças sem aula?
Que falta faz uma Lei de Responsabilidade Social neste país, com severas punições para os gestores públicos que não respeitassem as metas básicas de atendimento à população.
A prefeitura do Recife sequer respeita o limite mínimo constitucional para investimento em educação, que é de 25%.
Situações como esta é que nos dão certeza de que sim, outra cidade é possível.
A sociedade quer o básico, e o básico em educação na comunidade Ibura de Baixo custa um plus de R$ 600,00 por mês.
Cuidar realmente das pessoas não é caro, basta querer. *Presidente do PSOL/PE e pré-candidato à prefeitura da capital, escreve às sextas para o Blog dentro da série “Recife 2008.
Debate coms os prefeituráveis”.