Por Elio Gaspari Ninguém sabe o que vai acontecer em Cuba, mas o castrismo poderá chegar a um estágio superior do socialismo, o velho e bom capitalismo.

O que vem sendo chamado de “transição” será uma saída do fracasso em direção a alguma coisa que, por enquanto, não se sabe o que é.

Cada um pode exercitar a própria imaginação para conferir, no futuro, a qualidade de suas suposições.

O caminho chinês do stalinismo de mercado poderia começar pela transformação das bases militares cubanas em zonas especiais de livre iniciativa.

Teria a vantagem de empregar a soldadesca que ficará sem ter o que fazer.

Há uma proposta de conversão da base americana de Guantánamo, o terceiro melhor porto da ilha, numa dessas zonas livres. (Acabar com o DOI-Codi de Bush é o sonho dos três candidatos a presidente dos Estados Unidos.) A rota chinesa preserva algum poder para a máquina do Partido, mas sua adoção pura e simples tem muitos obstáculos.

Um deles é o das indenizações das empresas e dos cidadãos americanos que tiveram suas propriedades confiscadas pelos comunistas. É um patrimônio de US$ 3 bilhões, com 6.000 pleitos.

A tradição ensina que essas indenizações acabam sendo negociadas por algo entre 10% e 50% do valor.

Na República Tcheca, os expropriados receberam títulos da dívida pública.

Na Rússia, os imóveis e as empresas foram convertidos em papéis que enriqueceram os hierarcas da produção soviética.

Os apartamentos da melhor nomenklatura ficaram para os moradores.

Alguns chegam a valer US$ 1 milhão e o neto do chanceler Molotov vive da renda de um imóvel alugado a banqueiros americanos.

Há 1 milhão de cubano-americanos que se intitulam donos de empresas, fazendas e imóveis confiscados.

Estima-se que surgirão cerca de 100 mil litígios.

Resolvê-los pode parecer uma volta ao passado, mas será uma chegada ao futuro.

Um exemplo do que o capitalismo pode fazer por Cuba: Imagine-se Arsenio, o herdeiro de um casarão que ocupa 2.000 metros de terreno na avenida Salvador Allende.

O palacete tornou-se um pardieiro onde vivem dez famílias.

Uma comissão do governo cubano avalia o lote em US$ 500 mil.

Arsenio poderá receber um papel com esse valor de face, mas só assumirá a propriedade se tirar as dez famílias do local.

Como ele mora em Miami e nenhum cubano será expulso do lugar onde mora sem ter para onde ir, o título vale o que alguém estiver disposto a pagar.

Compay, um corretor de imóveis de Miami que tem bons amigos no Partido Comunista, decide comprar a propriedade por 10% do valor do título.

Arsenio embolsa os US$ 50 mil e vai em frente.

Compay junta mais uma caixinha de US$ 25 mil dólares para lubrificar suas negociações e vai para Havana.

Oferece um apartamento de dois quartos e sala a cada uma das dez famílias.

Constrói as residências num outro bairro e gasta, no máximo, US$ 200 mil.

Demolido o casarão, o corretor ergue um edifício de oito andares com 16 bons apartamentos de quatro quartos e sala.

A obra custará uns US$ 500 mil.

Ele vende cada apartamento por US$ 100 mil a estrangeiros e fatura US$ 1,6 milhão.

Nas duas obras, empregará cem cubanos por um ano.

Beneficiado por um programa de incentivo à construção civil e outro de estímulo a habitações populares, paga só US$ 25 mil em impostos.

Tendo investido US$ 800 mil, Compay realizará um lucro de 100%.

Na outra ponta do negócio está Wim, um carteiro aposentado que mora em Miami, num apartamento de dois quartos e sala.

Ele vende sua propriedade por US$ 400 mil e vai viver em Havana, no prédio de Compay.

Todo mundo ganha.

Arsenio fatura US$ 50 mil com um casarão que nunca viu.

Vinte amigos comunistas ganham, numa só tacada, algo como um ano de salário dos dias de hoje.

Os moradores do cortiço tornam-se proprietários de apartamentos que valerão uns US$ 20 mil cada um.

O carteiro aposentado vai morar no dobro do espaço, com US$ 300 mil no bolso.

Se Compay voltar para Miami com metade do que lucrou, ainda assim, entraram na economia cubana cerca de US$ 500 mil, o hipotético valor inicial do pardieiro inútil.