Por Edílson Silva Não conheço todos os carnavais do mundo, mas acho difícil que em algum outro lugar esta manifestação popular seja tão festejada e de forma tão apaixonada e espontânea como acontece no Recife.

O povo, misturado em cores, etnias e classes, vai além de suas forças físicas, buscando aproveitar cada segundo da festa.

Tanto é que aqui a folia começa bem antes do Galo da Madrugada e termina depois da quarta-feira de Cinzas.

Talvez seja assim porque o carnaval tenha encontrado aqui sua química perfeita: um povo alegre e festeiro, sol abundante, o frevo e Capiba, para expressar e imortalizar dentro deste ritmo, com riqueza de detalhes, os sentimentos mais profundos dos foliões.

Ou não é assim quando somos arrebatados por Trombone de prata? “(…)pode acabar tudo enfim, mas deixe o frevo pra mim”.

Cabe ao poder público zelar por este patrimônio que é o nosso carnaval, dando ao povo, que é o mais importante deste patrimônio, as condições para se expressar e brincar de forma democrática e com segurança.

A Prefeitura do Recife vem desenvolvendo há alguns anos uma concepção de carnaval baseada na multiculturalidade e na descentralização dos focos de folia.

Mas, setores, digamos, mais ortodoxos, sobretudo ligados à área cultural, têm críticas a esta concepção.

As críticas que tenho ouvido são à presença de outros ritmos, como o pop e o rock, e também ao carnaval de palco, que deveria ser, na visão dos críticos em questão, itinerante.

Mesmo fazendo oposição à atual gestão municipal, e na condição de pré-candidato a prefeito do Recife nas eleições deste ano, não posso concordar com os críticos do carnaval promovido pela Prefeitura do Recife.

O primeiro aspecto a ser levado em consideração neste debate é o fato de que a atual gestão estancou a hemorragia cultural da “Era Jarbas/Cadoca/Raul Henry”.

Durante a hegemonia destes senhores na condução política do Estado e da Prefeitura, Pernambuco em geral, e Recife em particular, foram vítimas da tentativa de transformação de nosso carnaval e demais festas populares em negócios direcionados descaradamente para o lucro de empresários da “indústria do entretenimento”.

Para quem não se lembra daquela época, os pacotes desta indústria traziam embutidos abadás caros, muito axé-music, e o mais grave do ponto de vista de nossas tradições, cordas para dividir quem pode e quem não pode pagar.

O carnaval organizado pela prefeitura do Recife hoje tem uma concepção distinta. É pago pelos cofres públicos e oferecido indistintamente para a população, ou seja, é democrático.

Um outro aspecto que precisa ser destacado é sobre a multiculturalidade aliada à descentralização.

Neste caso a prefeitura da cidade conseguiu aprofundar a democratização da festa.

De um lado atende às demandas das mais variadas “tribos” presentes na cidade, abrindo espaços para atrações locais, embora ainda precise avançar mais neste aspecto, e dando ênfase em determinadas regiões da cidade a determinados ritmos, sempre com o frevo na base, mas passando pelo reggae, rock, rap, pop, e até brega, como o show de Reginaldo Rossi no pólo de Santo Amaro no domingo de carnaval deste ano.

A presença de artistas nacionais em todos os pólos descentralizados garante público e valoriza as comunidades.

Vanessa da Mata no Ibura, Paralamas do Sucesso em Nova Descoberta, Nação Zumbi em Santo Amaro, e mais outros artistas revezando-se pelos palcos da periferia da cidade, além incrementar a vida cultural e o carnaval da comunidade, gera também renda de forma descentralizada.

O fato de todos estes acertos não isenta a Prefeitura de dar transparência à distribuição dos R$ 31 milhões investidos no carnaval, para conferirmos se determinados segmentos ou artistas não estão concentrando estes investimentos em detrimento dos artistas locais.

Trabalho para o Conselho Municipal de Cultura.

Penso que para compensar os espaços abertos a outros ritmos no carnaval do Recife, e por conta desta abertura estar vingando exatamente no centenário do frevo, e coincidentemente ser o último ano da gestão João Paulo, a Prefeitura resolveu investir pesado em uma escola de samba do Rio de Janeiro para dar mais visibilidade ao frevo.

Se for assim, a tentativa teve méritos.

No entanto, a Prefeitura investiu R$ 3 milhões na Escola de Samba errada.

Como a Estação Primeira de Mangueira poderia homenagear o frevo exatamente no centenário de Cartola, seu fundador?

A Prefeitura, conscientemente ou não, acabou entrando e, pior, interferindo em disputas internas na comunidade mangueirense.

Escola dividida não disputa título.

Em minha modesta e leiga opinião, o samba-enredo escolhido pela Mangueira estava excelente, podendo inclusive virar um clássico do nosso carnaval, desde que convertido ao ritmo de frevo, é claro.

Mas a Mangueira estava visivelmente dividida e o carnavalesco Max Lopes refletiu bem esta divisão.

O frevo não estava pleno na Marquês de Sapucaí e o carro alegórico com Cartola, mesmo sendo ele quem é, não tinha licença para invadir o enredo, o que ajudou a Mangueira a perder 0,7 pontos neste quesito (nenhuma nota dez) e 1,1 pontos em Alegoria e Adereços (nenhuma nota dez).

A narração da Globo ajudou a salientar a falta de eixo da Mangueira, ao colocar em destaque a figura de Zé Pereira, um personagem carioca.

Onde estava Capiba?

Frevo mesmo só no Samba-Enredo e na Comissão de Frente, formada por jovens passistas pernambucanos e abandonada logo no final do desfile por Carlinhos de Jesus, que disse com todas as letras que não atuou como coreógrafo, mas como psicólogo.

Covardia.

No centenário de Cartola e do frevo, quase que ambos desciam juntos para a divisão de acesso do carnaval carioca.

Os jurados foram implacáveis com as indefinições da Mangueira.

Nem a Bateria levou 10 de todos os jurados.

Só o conjunto Mestre-Sala e Porta-Bandeira conseguiu esta façanha.

Culpa da chuva?

Que nada.

Quando a escola está unida em torno do samba e do enredo, a chuva só faz refrescar o corpo e mesmo com as fantasias mais pesadas dá mais gás para a evolução, quesito em que a mangueira perdeu mais 0,6 pontos distribuídos em três jurados, ou seja, não foi um ou outro ponto da escola que estava mal.

A apatia era geral.

Azar da turma da Prefeitura?

De jeito nenhum.

Neste caso foi incompetência mesmo.

Investimento em marketing também deve ter análise de riscos, e neste caso eram bastante visíveis.

Gastaram R$ 3 milhões para associar o frevo e nosso carnaval a uma Escola de Samba que quase desceu para o grupo de acesso.

Os cariocas e os mangueirenses jamais esquecerão o ano em que a Mangueira entrou atravessada na avenida e ainda por cima quase desceu, o ano em que tentaram homenagear o frevo.

Como a Prefeitura sempre associou este patrocínio ao retorno em marketing espontâneo, caberia bem agora uma auto-crítica, pois o marketing não existiu.

Tenho até a impressão que houve sim, mas negativo.

Apesar de tudo, nosso carnaval ainda é, certamente, o melhor do mundo.

Ano que vem tem mais.

PS: Presidente do PSOL/PE, escreve às sextas para o Blog do Jamildo.