Editorial da Folha de São Paulo A REVELAÇÃO de gastos extravagantes de ministros e outras autoridades federais tornou explícito um padrão de conduta que permanecia ao abrigo de vigilância.

Nesse patrimonialismo do dia-a-dia, paga-se a conta de um free shop, alugam-se carros nas férias, abriga-se a família num hotel -tudo sacado dos contribuintes- com a naturalidade e o automatismo de quem não deve satisfação.

Esse hábito arcaico começa a ser atacado por três razões básicas.

Uma é a própria disseminação dos cartões de crédito corporativos na administração federal; outra é a louvável decisão do governo Lula de explicitar essas despesas na internet -tal nível de transparência não se repete, por exemplo, no caso do governo paulista.

O terceiro e decisivo fator é a cobrança feita pela imprensa e por organizações civis com base nos dados públicos.

Está certa, portanto, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, quando defende as vantagens do uso de cartões de crédito para a prestação de contas de despesas emergenciais e com viagens.

O sistema, cujo controle é automático, é muito superior ao modelo das chamadas contas B, pelo qual se coloca um montante à disposição do funcionário, que pode gastá-lo emitindo cheques.

Mas, se o governo estivesse mesmo convencido do trunfo do cartão de crédito com a fatura publicada na internet, deveria obrigar todos os ministros e servidores graduados a usá-los, fechando a brecha dos saques em dinheiro permitidos com o cartão.

O montante para retirada foi de fato limitado a 30% do valor gasto -contudo, estranhamente, agora se recomenda aos ministros que deixem de utilizar os cartões.

Em outro ato que contraria o princípio da prestação de contas, despesas da Presidência foram retiradas da internet.

O valor irrisório da maioria dos gastos revelados denota que não está em tela, nesse caso, um grande escândalo com dinheiro público.

O caráter pitoresco e até anedótico de alguns flagrantes não deixa, porém, de comprometer a conduta das autoridades, de quem se exige rigor exemplar no trato de recursos que lhes são confiados pelos cidadãos.

Uma “CPI da Tapioca”, investigação que se limitasse a tomar os dados públicos e cobrar explicação dos autores da despesa, teria pouco a acrescentar em relação ao trabalho que imprensa, ONGs e alguns órgãos de controle vêm realizando.

Já uma CPI que concentrasse seus esforços em desvendar a parcela do gasto corporativo federal que permanece na penumbra -em 2007, 75% das despesas com cartão foram saques em dinheiro vivo; quase R$ 100 milhões fluíram pelas contas B- teria um serviço relevante a prestar.