Adão deixa o Carnaval Por André Petry Adão é como eu: nunca passou o Carnaval no Recife, nem em Olinda.
Nunca fez parte da multidão de 1,5 milhão de pessoas que sai a dançar no Galo da Madrugada, festejado como o maior bloco carnavalesco do mundo.
Adão, tal como eu, agora já faz planos de ir ao Carnaval do Recife.
A novidade é que, se a Arquidiocese de Olinda e Recife estiver certa, quase todo mundo que for ao Carnaval de lá vai fazer sexo.
Sexo sem proteção, ainda por cima.
Será a maior orgia do mundo.
A maior orgia do mundo sem camisinha.
Vale a pena conferir?
Talvez não, porque talvez a Arquidiocese de Olinda e Recife não esteja certa.
O pessoal da arquidiocese ficou uma arara com a iniciativa da prefeitura do Recife de distribuir a pílula do dia seguinte durante o Carnaval – uma iniciativa sensata, correta e que deveria ser copiada por todo administrador de saúde responsável.
A Igreja Católica é contra a pílula do dia seguinte.
Entre outras coisas, diz que estimula o sexo.
Que até estimula o sexo sem camisinha…
Na sua cruzada de agora, a arquidiocese mandou carta ao prefeito do Recife lembrando que a 13ª Conferência de Saúde reafirmou que o aborto é crime e não deve ser legalizado. É verdade.
A conferência cometeu mesmo essa asneira.
Mas só isso é verdade.
A capciosa associação da pílula do dia seguinte com o aborto, como faz a arquidiocese na carta, é apenas mais uma rasteira que os homens de batina aplicam na honestidade intelectual.
A pílula do dia seguinte não é abortiva.
Ingerida até 72 horas após uma relação sexual desprotegida, impede a fecundação do óvulo.
Se o óvulo já estiver fecundado, não tem efeito.
Não é o que diz Adão, nem eu. É o que mostram todos os estudos científicos sérios no Brasil e no exterior.
Ou seja: os homens de batina não associam a pílula ao aborto por ignorância.
Fazem-no de propósito, movidos por milênios de ojeriza à liberdade sexual.
Entendem de fé, como se supõe, e agem com má-fé, como se vê.
Na cruzada, a arquidiocese mobilizou uma entidade para entrar na Justiça contra a distribuição da pílula.
A tal Associação de Defesa dos Usuários de Seguros, Planos e Sistemas de Saúde (Aduseps) cumpriu a tarefa, mas se deu mal.
A Justiça, com serenidade e autoridade, manteve a distribuição.
A Aduseps apresentou-se como quem quer apenas defender seu público.
Lorota.
A presidente e fundadora, Renê Patriota, é católica, participa da Pastoral Carcerária.
Só se meteu no rolo por motivo religioso.
Mas, claro, nada disse sobre sua real motivação.
A dedução não é de Adão, nem minha.
Na sua autopropaganda, a Aduseps diz: “O conceito de saúde, adotado pela Aduseps, segue a definição da Organização Mundial de Saúde”.
Não diga!?
A OMS é entusiasta da pílula do dia seguinte.
Em seus documentos, disponíveis na internet, a OMS afirma que a pílula não é abortiva e ainda recomenda enfaticamente seu uso.
Diante da acurácia dos conceitos da arquidiocese e sua força auxiliar, Adão desconfia que o Carnaval do Recife não será aquela orgia.
Como queria pôr à prova sua histórica incapacidade para resistir à sedução feminina, Adão decidiu que não vai ao Carnaval do Recife.
Nem eu.
Adão diz que só vai no dia em que o Carnaval virar o apocalipse sexual de rua que a Igreja alardeia todos os anos.
Eu estou pensando.
Tenho tempo de sobra.