Júlio Vila Nova juliovilanova@ig.com.br Da página de Opinião do JC A exaltação ao frevo tem sido feita de maneiras diversas, pelo som, na criação de nossos artistas, e pela palavra, na voz de muitos comentaristas.
Entre estes, causou-nos surpresa Gustavo Krause, em artigo publicado recentemente no JC.
Não pelo estilo, reconhecidamente elegante, ao mesmo tempo leve e requintado, entre citações de Capiba, Michiles, Leonardo Dantas e Mário de Andrade.
A surpresa - e estranheza - deve-se ao título, Frevo drogado: uma infelicidade, mesmo sabendo tratar-se de ironia, neste caso sem muita fineza.
O alvo é a Prefeitura do Recife, por causa do patrocínio para a Escola de Samba Mangueira.
De fato, é de lamentar muito a vinculação do nome da escola verde e rosa ao problema do tráfico de drogas exatamente agora, às vésperas do Carnaval que terá o frevo como seu tema.
Lamentamos profundamente, sabendo que vêm de outros tempos tais ligações tenebrosas, no mundo carnavalesco do Rio.
Lamentamos, mas a expectativa geral é de que o desfile supere tudo isso, e de que o saldo seja altamente positivo, não apenas para o caixa da escola de samba, como ressalta o autor do artigo citado, mas também para a imagem do frevo e da minha, da sua, da nossa terra, este Pernambuco decantado por ele.
Não se trata, claro esteja, de fazer aqui a defesa intransigente da prefeitura, quanto à organização do Carnaval. À parte a justa opinião corrente sobre o evidente salto qualitativo da festa, nas duas gestões do prefeito João Paulo, com a consolidação da marca do Carnaval Multicultural, acertadíssima, não se pode deixar de apontar um certo desvirtuamento do verdadeiro sentido do Carnaval do Recife, quanto à sua vocação autêntica, como imensa festa de rua, promovida pelas muitas e valorosas agremiações.
Acontece que supervalorizou-se o palco como cenário da festa, o que, aliás, é herança de gestões passadas.
Ressalte-se, porém, que isso não é algo de todo mau, porque atende aos anseios de variadas parcelas da população, com a correta política de descentralização que leva os mesmos shows do centro para a periferia.
Vale lembrar que também passam pelos palcos algumas das mais afinadas orquestras, ligadas às respectivas agremiações.
A reclamação mais constante e pertinente, nesse panorama, diz respeito à disparidade de valores dos cachês artísticos destinados a artistas locais, incluindo as orquestras, e a alguns convidados.
Além disso, é ainda modesto demais o incentivo dado às agremiações, tanto as tradicionais, algumas centenárias, quanto as mais recentes.
Afinal, são elas a verdadeira alma do Carnaval do Recife, em seus desfiles pelas ruas.
Resta-nos dizer que Gustavo Krause, respeitável e reconhecida figura, por sua contribuição ao mundo intelectual e ao universo boêmio e carnavalesco do Estado, procurou atirar na vitoriosa gestão da prefeitura, com a qual não é afinado ideologicamente, mas acabou acertando o frevo, de modo lamentavelmente grosseiro.
Uma pena que, depois de construir tão bela argumentação em louvor ao gênero musical que é nossa própria identidade, o autor tenha concluído seu texto com a infeliz suposição de apresentar um novo tipo de Frevo, colocando-o assim ao lado da droga, apenas para ironizar o apoio da Prefeitura à Escola de samba carioca.
Pela grandeza do Frevo, e pelo que representa para nós, usa-lo assim, ainda mais com tais motivações político-ideológicas, não parece nada engraçado.
Júlio Vila Nova é professor e folião.